A botella do naufraxio
Como quen constrúe a maqueta dun navío,
introduces cada día restos do océano
no útero dunha botella de grogue.
Os dedos e o presente a tremer, a prole
en tensión, as olladas atentas ao mastro maior,
rezando para que non tronce
mentres as ondas te abanean
no incerto camiño de volta ao fogar.
Son esas mans un libro antigo,
un pergameo a contar a historia
de toda unha familia ou un país,
un refuxio onde guarir a música
cando arda a última cimboa
no lume do esquecemento.
Sobre ese catálogo de engurras
poderías escribir a morna máis fermosa,
unha sentencia de morte
ou a máis bela historia de amor
que pode un pobo vivir consigo mesmo
amando unha fala, unha cor,
sen esquecer a crónica do azucre amargo
ou confundir horizonte e destino.
Porén, a forza da xuventude
coa que abrazabas o porvir
confúndese nas noites nebulosas
coa néboa que precede un barco pirata.
Na loita entre un mar de fortuna
e unha tempestade na boca do estómago,
a botella nunca está medio chea
e sempre agacha no interior
o anuncio dun afundimento,
a xenealoxía do náufrago.
A garrafa do naufrágio
Como quem constrói a maqueta dum navio,
introduzes a cada dia restos do oceano
no útero duma garrafa de grogue.
Os dedos e o presente a tremer, a prole
em tensão, as vistas atentas ao mastro maior,
rezando para que não parta
enquanto as ondas te abanam
no incerto caminho de volta ao fogar.
São essas mãos um livro antigo,
um pergaminho a contar a história
de toda uma família ou um país,
um refúgio onde abrigar a música
quando arder a última cimboa
no lume do esquecimento.
Sobre esse catálogo de rugas
poderias escrever a morna mais bonita,
uma sentença de morte
ou a mais bela história de amor
que pode um povo viver consigo mesmo
amando uma fala, uma cor,
sem esquecer a crónica do açúcar amargo
ou confundir horizonte e destino.
Porém, a força da juventude
com que abraças o porvir
confunde-se nas noites nebulosas
com a névoa que precede um barco pirata.
Na luta entre um mar de fortuna
e uma tempestade na boca do estômago,
a garrafa nunca está meio cheia
e sempre esconde no interior
o anúncio dum afundimento,
a genealogia do náufrago.
Tradução para português José Pinto
Garrafa de naufrágie
Moda kem kunstruí meketa dum névio
bo t introduzi a cada dia reste de ossione
ne útre dum garrafa d’grogue.
K ded ma presente t treme, prole
ne tensom, k vista pust ne mastro maior,
rezondo pel ke perti
inkuant ondas t bendonob
n inssert kamim d’volta p kasa.
É ex mon um livre antig
um pergamim t contá história
de tud um família ou um peís,
um refúgio ondê t abriga múska
kond ardê kel última simboa
ne lume d’eskessiment.
Sobre esse katálgue d’ruga
bo podia eskrevê morna mej bonita,
um sentenssa d morte
ou kel mej bela história d’amor
ke podê um pove vivê kel mesmo
t amá um fala, um cor,
sim eskse krónika d’ossúkra morgose
ou konfundi horizont k destine.
Porém, forssa d’juventude
kom ke bo t brassá o porvir
t confundi ne noite nebulosa
kum névoa ê’k t press’dê um bark pirata.
N luta entre um mar d’fortuna
e um tempestade n boca de estóme,
garrafa nunka t estod mei xei
e sempre el t gatxá n interior
anúncio dum abatimente,
a genealogia d’náufrago.
Tradução para crioulo Márcia Brito

Carlos Da Aira
Mora e escreve (sempre em galego, a sua língua materna) desde uma pequena aldeia do interior da Galiza. Tem participado em recitais, slams, festivais ou encontros de poesia por Galiza, Portugal, várias regiões do estado espanhol, Cabo Verde ou o Japão. Dirige desde 2014 os eventos anuais ‘Poemagosto. Festival Internacional de Poesía en Allariz’ e o ‘Ponme un poema! (roteiro poético-gastronómico). Além de poemas em revistas e obras conjuntas, tem publicadas as obras individuais: Corpo a corpo (Poética Edições, 2018. Plaquette em português); Pólvora. Tipos, recomendacións, consellos e advertencias para un tempo de poesía (La Vorágine, 2018. Edição bilingüe galego – castelán); Prender os fachos, compoñer os ósos (Espiral Maior, 2019. XXXIV Premio Cidade de Ourense de Poesia); A guerra era contra nós (Xerais, 2020. VIII Premio de poesia Manuel Lueiro Rei).