I
um lamento atravessara
a noite
quem sabe
por terror de morrer só
carpia a condição
de mártir
entre piratas porcos e putas
piratas porcos e putas
concordaram sem quezília
dar-te-emos uma medalha
vamos oficializar a infâmia
e assim teremos um álibi
II
ignorância salva um prato um deslumbre na caminhada pelo deserto esfaimado rouba esfaimado um amanhã em que discreta prostituição soberba na arte insiste insiste insiste nos olhos uma promessa dez dicas para vender ética e filhos dois em um ele ri encobre juízo como um silêncio que o encontre castrado para uma vida no avesso de uma revolta emerge bolha na pele apropria-se das primaveras inapto para um pensamento não medíocre amaldiçoa o mérito do brilho repete turistas em círculos fechados desde o início dos tempos envaidecido com uns mestres ocupa-se a invejar e maldizer tesão que plante um sonho vasto e não divertido vive à superfície requentada de uma fome certificada não vê insignificância suspeita em terra discursa infértil questiona como pode alguém colocar-se no lugar de outro alguém dissemina desesperança em casas para reinar dos mortos na noite perpétua declara guerra para saquear oxigénio pilhar com ódio enquanto assina por baixo incapaz de entender como continua a estar ao lado de quem não suporta cobiça vizinhos como quem se compara com disposição do medo diz o meu critério de qualidade não ler distorce silencia violenta línguas engana metade do mundo naturalmente enquanto põe em marcha projetos pessoais filho da puta sorri para os que gestos desinteressados respiram lá no fundo viola o que decreta antes dos pulhas dignos não se espanta num arco do universo põe a render honra com ganância super busy de egoísmo impotente semeia discórdia descrê em si sem que o corpo acompanhe atormentado sobre todas as coisas até que dividiu vazio guarda cobardia de igreja promulga falência de flores em hollywood insurge-se na aleatória decisão soberana enquanto cresce desmedidamente tudo para naufrágio da memória no facebook cultura para consumo imediato antropófago indiferente à omissão vaidoso como quem obedece esterilizado para a história brada propaganda prioritária quanto lucrativa assistir a uma impossibilidade de progresso ver possibilidade de infinito comprometer-se com uma ideia de um coração que contagie qualidade de não ser só morte
III
o dia em que nasceram poetas
que salvam línguas
indicia há quanto tempo dura
o saque
não houve consenso
por isso o ódio
não mais seria recalcado
atribuem a cada nuca
um código
e liberdade para comparar
e escolher
IV
um assombro
deu lugar à mudez
sobre eles
cinco quatro três dois um
até que a morte
os devolve ao desígnio
uma transmigração
de flamingos

José Pinto
José Pinto (Vila Real, 1988) vive em Mindelo, Cabo Verde. Psicólogo, poeta, dramaturgo, tradutor, escritor de conteúdos, performer e leitor. Autor de Humanus (Portugal, 2015), TOCA: oito poemas de amor e uma canção angustiada (Portugal, em breve) e Chá para o nevoeiro (Portugal-Brasil, em breve). Colaborou com a Revista Palavra Comum e na edição, tradução e revisão da Revista dos Tr3sReinos, ambas na Galiza. Textos seus foram publicados em revistas e fanzines do Brasil, Cabo Verde, Espanha, Estados Unidos da América e Portugal. Poemas autorais foram adaptados para melodramas pelo compositor Filipe Pinto (Alemanha) e escreve para teatro, com textos estreados em Cabo Verde e Portugal. Trabalha no UMCOLETIVO (Portugal) e é o mentor da Associação txon-poesia (Cabo Verde).
http://www.josepinto.net/