Na aldeia salgada
O primeiro que lembro foi o musgo. O musgo e a pedra verde daquele valado à volta da figueira. Uma rainha das árvores entre espadas, uma misteriosa árvore na terra negra, na humidade dos canaviais. E eu entre as armas brancas da terna idade e a primeira refeição de prato.
Também umas fotografias a branco e preto de dous cachorros: um cão atordoado e um explorador da terra molhada, armado com uma voz permanentemente tépida e branda.
Nas janelas as pingas assaltavam os vidros vencidos. Nas tardes melancólicas roíam os ratos a vida acumulada no sótão dos sonhos.
Ne kel adeia salgod
Primer kum lembrá foi musgue. Kel musgue e kel pedra verde te resguarda kel figuera. Um rainha das arvores entre espada, um árvore misteriose ne terra negre, ne humidade de kej kanavial. E mim entre kej arma bronk de terna idade e kel primer refeissão de prote.
Também uns fotografia a bronk e pret de doj katxorr: um katxorre terduod e um explorador de terra moiod, armod kum vôz permanentemente tépida e brand.
Ne kej janela uns pinga tava assaltá kej vidre vinsid. Ne kej tard melankolik ej tava roê kej rot kel vida akumulod ne sotão de sonhe.
O peixe de prata
Na cozinha velha o chão é de terra pisada e um fio de luz imprime uma teia de sombras sobre o mármore branco. A torneira de cobre a pingar ritmicamente no caldo dos porcos. O armário e a artesa do pão franqueiam a janela que dá para o curro, buraco negro de temores noturnos.
No banco, frente à televisão a branco e preto, um menino de cidade observa o seu coração cintilante na palma da mão, como uma bússola louca, como um apresado peixinho de prata.
Kel pexe de prata
Ne ksinha vêi kel txon é de terra psôd e um fio de luz te inprimí um teia de sombra sobre kel mármore bronke. Kel tornera de kobre te pingá ritmikament ne kold de txuk. Kel armorie e kel artesã de pão te frankea kel janela ek tava dá pum krral, brok negre de terror noturne.
Num bonk, frent de kel televisão a bronk e pret, um mnine de sidade tava observá sê korasão sintilante ne palma de mon, moda um bussula doid, moda um apressod pixin de prata.
A Manuel Salgueiro Castro
Vindima
Ó velho, estás deitado
e no recanto do quarto
arde o cajado impregnado
com o suor de tantos anos.
Lastrado o caminho da vida,
sonha o mar a água doce
do amor que teu corpo sorvia.
Sonhas nos altos penedos
do coração
o naufrágio das horas,
o galope incessante nas ondas
da tua constelação.
Cavalgas no circo do ocaso,
e para todos saúdas na areia domada.
Saltas do trapézio impossível
e voas com o bilhete obliterado
da última função.
Lavrador dos teus dias,
chega a tua vindima.
Enquanto cai na negra tinalha
o alquímico sangue
da tua família.
A Manuel Salgueiro Castro
Vindima
Ó vêi, bô te detod
e ne rekont dess kuart
te ardê kel kajod impregnod
ke kel suôr de tont one.
Lastrod pe kamim de vida,
te sonhá mar a agúa dosse
de amor ke bô korp tava sorvê.
Bô te sonhá ne kej olte pened
de kurasão
kel nafrágie d´hora
kel galop inssessante de kej onda
de bô konstelasão
Bô te kavalgá ne sirke d´akaso,
e pe tude ej bô te saúda kel areia domod
Bô te saltá pe kel trapézie impussível
e bô te voá ke kel bilhete obliterod
de última funsão.
Lavrador de bôj dia,
txgá ne bô vindima.
Inkuant te kei ne kej negra tinalha
kel alkimiko sangue
de bô família.

Alfredo Ferreiro
Alfredo J. Ferreiro Salgueiro nasceu na Corunha, Espanha, em 1969. Estudou Filologia Hispânica e iniciou-se na Teoria da Literatura. Membro da Asociación de Escritoras e Escritores en Lingua Galega e da Associaçom Galega da Língua. Tem participado em inúmeros recitais de poesia e colaborado em revistas galegas e portuguesas. Foi membro do Grupo Surrealista Galego. A inícios de 2014, co-fundou a revista digital de artes e letras Palavra comum, dirigida à lusofonia, que hoje dirige com Tiago Alves Costa. O livro mais recente é Teoria das ruínas (Braga: Poética Edições), publicado em 2019.
alfredoferreiro.com