Escrevo-me
Lá fora chove, a lenha estoura na lareira enquanto me ilumina o rosto e me aquece as mãos que escrevem sem saber quando parar. O que escrevo? Não sei…ou saberei? Escrevo-me!
É muito longe para imaginar um quadro de vida, mas é bem possível que possa estar a fazer o que me dá vontade, sempre, todos os dias, a toda a hora. Podia nunca sair disto. Podia nunca sair daqui. Podia nunca deixar de fazer o que estou a fazer agora. Esta performance da solidão, noite adentro, acompanhado por espectros dos meus antepassados. Eles sustentam. Eu podia nunca deixar de escrever. Brincar como brinca quem brinca. E ganhar dinheiro para dar de comer ao meu filho.
Será que o vou conseguir fazer algum dia?
Como está o mundo? Talvez devesse ter começado por aqui. Pode dar-se o caso do mundo já não ser mundo. Vivemos tempos conturbados, como decerto te lembras. Eu nem imagino o que já viveste, mas tu deves recordar-te desta altura. Mal saímos da pandemia, ou pelo menos assim acreditamos, e estamos a braços com uma guerra fratricida na Europa. Espero que vivas melhores dias. Apesar de tudo, continuo a acreditar na Humanidade. Será ingenuidade minha? Diz-me tu, que daí tens posição privilegiada para o saber.
Não sei se vou encontrar-te ou encontrar-me. Apenas sei que gosto de pensar que as intuições que sinto sobre o futuro do mundo, nessa altura serão já bem evidentes. Cada vez mais, será possível constatar o despertar de Consciência Coletivo. Cada vez mais o Amor guiará cada coração.
Junta-te a mim, meu eu do futuro, juntamente com a do passado. Sentes a verdade? Imagino que te dissolveste no passado e no futuro do passado e no futuro com que me cruzei e me cruzarei. Hoje, mais do que nunca, sinto que vivi sozinho, sempre fui e estarei em relacionamento com o antes, o hoje e o depois, como se de realidades paralelas se tratassem.
A vida é isso e muito mais.
Para chegares ao momento atual, tanto houve que te “empurrou” e te deu sapiência. Olhas para trás, depois destes dez anos e percebes, com toda a certeza, que tudo o que se passou numa das fases mais dolorosas da tua vida, te deu mais força ainda. Fez com que relativizasses muitas questões e situações e te dedicasses aos alicerces que construíram o que hoje tens.
Eu sei que tivemos muitos outros desafios ao longo desses anos que nos separam, mas acredito que és muito mais do que eu sou hoje. Tenho a certeza, que não paraste pelo caminho e continuamos crescendo. Aprendendo. Avançaste sempre! Mesmo que, em muitos momentos, não seja em velocidade de cruzeiro, como nos aviões, e pareça mais como se estivesse a pé no deserto. Espero que ainda te lembres que só TU tens a capacidade de transformar algo que está na tua mente em algo REAL.
Todos estes anos são marcantes, com uma bagagem cheia de amor, lutas, conquistas, derrotas e realizações. Conheceste pessoas, lugares, amadureceste, tiveste dias de maior tristeza, alegria, choraste e choraste, erraste e acertaste. Desejo que pelo menos metade dos teus sonhos se tenham realizado, sei que assim estarás feliz. Porquê? Porque, finalmente, vives à tua maneira, rodeada das tuas pessoas, com o propósito de ser feliz ajudando sempre os outros. Missão cumprida, diria a Mãe.
Mas, se porventura, algum dia acordares sem vontade, sem entusiasmo, lembra-te do que te move, da tua energia e mantém-te firme! Não desistas! Nunca te esqueças… Só se envelhece quando se deixa de sonhar. Por isso, cuida-te. A sanidade mental é meio caminho andado para conseguirmos chegar mais longe. Tu és capaz! Sente-te abraçada por ti mesma com esta carta e segue o teu caminho sem medos!
E se algum dia te perderes, encontra-te aqui, nestas linhas que me escrevo porque nada é melhor do que as letras do coração.

Escrituras d’alma
Escrituras d’alma é um coletivo de partilha de textos. A carta coletiva ao eu do futuro, aqui publicada, foi escrita por Ana Paula David, Ana Rente, Anabela Pepê, Céu Batista, Cláudia Alvarez, Cláudia Gil, José Pinto, Maria Antónia Zacarias, Maria Martinho, Maria Mata, Paulo Pereiros, Sara Ai-Ai e Valdelice Freire.