ESTRATÉGIAS DE ATAQUE NAS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS PORTUGUESAS DE 2022:
ANÁLISE DO DISCURSO POLÍTICO NOS DEBATES ELEITORAIS
João Miguel Abreu Miranda
Introdução
As campanhas políticas, o interesse em aprofundar estratégias de comunicação nas mesmas e a mediatização da esfera pública têm vindo a levar, ao longo dos anos, a uma necessidade de desenvolver características específicas para conquistar a atenção da população. Uma destas características tem passado por desenvolver campanhas negativas, conceito cuja definição é muito debatida, mas que, de um modo geral, caracteriza estratégias de comunicação em que o objetivo final seja criticar o candidato ou o partido adversário, sem algum benefício informativo para o público eleitor (Ramalhete, 2014).
Em Portugal, houve um atraso, em relação a outros países europeus, na procura da utilização de estratégias de marketing político. No entanto, como tentarei mostrar ao longo deste ensaio, isso não impede que as campanhas negativas sejam algo já enraizado no cenário político português. Existem poucos estudos, em Portugal, sobre a utilização deste tipo de estratégia e estes, normalmente, focam-se em figuras específicas ou em processos eleitorais específicos abrangendo todo o seu universo. Não obstante, é do meu interesse analisar a utilização destas estratégias de ataque em debates eleitorais frente-a-frente e, para tal, escolhi as eleições legislativas, que decorreram no presente ano de 2022.
Existe algum impacto das campanhas negativas no público eleitor? Quem mais beneficia da sua utilização? As estratégias de ataque não podem ser consideradas uma consequência indireta de um debate democrático aberto? Estas serão algumas das questões que me debruçarei ao longo desta reflexão.
Este ensaio está dividido em três partes. Na primeira, pretendo refletir sobre a variedade existente de significados para o conceito de campanha negativa. Na segunda parte, abordarei os possíveis impactos que esta estratégia poderá ou não estar a ter no eleitorado e relacionarei a personalização do processo político como estrutura facilitadora de uma campanha negativa. Na terceira parte, introduzirei o estudo de caso sobre os debates frente-a-frente das eleições legislativas de 2022: numa primeira instância, vou fazer uma breve contextualização político-social do tempo em que decorreram estas eleições e justificarei a minha escolha de metodologia para aprofundar este ensaio. Depois, apresentarei os resultados dessa minha análise e refletirei sobre os mesmos. Por fim, irei refletir sobre o peso das estratégias de campanha negativa na sociedade e as precauções que a sociedade portuguesa deve tomar para controlar a situação.
Campanhas Negativas: Fundamentação Conceptual
O conceito de campanha negativa é um conceito muito debatido entre os teóricos e com pouco consenso na sua generalidade, mas, acima de tudo, é um conceito muito abrangente. As estratégias de ataque fazem parte de um sistema político saudável – essa ideia não vai ser repercutida neste ensaio. O problema está na utilização excessiva destas estratégias para chamar a atenção do público, ao invés de dar primazia a informar corretamente.
É de salientar, antes de entrarmos nas revisões conceptuais, uma clara distinção, feita pelos vários teóricos analisados, entre aquilo que é considerado uma estratégia de campanha negativa e uma estratégia de campanha positiva. De modo resumido:
It is possible to make a distinction between directional definitions, with consider that any mention of the opposite candidate or party is a negative attack and the opposite of positive campaigning (which is promotion of own qualities and political program), and evaluative definitions of negative campaigning, with focus on the different interpretations of the reference to the competitor, namely on if the subject actually intends to attack his opponent or not or how legitimate the attacks may be. (Fonseca, 2019, p. 3)
Desta forma, é mais fácil entender aquilo que é considerado um bom exemplo de campanha e aquilo que, pela sua disrupção, passarei a intitular de “campanha negativa”, “estratégia de comunicação negativa”, “negatividade” ou outras formas semelhantes.
A primeira definição recai sobre os ataques dirigidos pessoalmente ao candidato e aos tópicos que ele ou o seu partido defendem (Surlin and Gordon, 1977, citado por Fonseca, 2019), já David Mark (2009, citado por Ramalhete, 2014) salienta a existência de uma diferença forte entre aquilo que é uma campanha negativa e o que é uma campanha suja.
Os teóricos, de modo geral, identificam o candidato, como cabeça de lista e/ou partido, como o utilizador predileto destas estratégias negativas. No entanto, para outros, a definição deve estar centrada nos partidos, já que são estes que decidem as estratégias para as campanhas eleitorais e isto envolve “(…) criticar o histórico do partido ou partidos oponentes; questionar o discernimento, experiência e a honra dos seus adversários; e gerar medo sobre a possibilidade de um futuro com o partido ou partidos adversários no poder” (Norris, P. e Sanders, D., 2005, p.526, citado por Ramalhete, 2014 [tradução própria]1).
O sistema político implementado pode favorecer ou empobrecer o impacto do ataque. Por exemplo, acredita-se que o sistema bipartidário (como o que encontramos nos Estados Unidos da América ou no Reino Unido) gera mais negatividade do que os sistemas multipartidários (como os que encontramos em Portugal ou Espanha), uma vez que no sistema americano não é necessário o cuidado e o planeamento de coligações pós-eleições, o que é algo recorrente nos países com sistemas multipartidários. Assim sendo, os benefícios das campanhas negativas são mais baixos num sistema com vários partidos (Ramalhete, 2014).
Para Nai et al. (2021), os ataques políticos podem ter duas variantes. Por um lado, o ataque pode ser dirigido às posições políticas ou ações do oponente, por outro, o ataque pode focar-se no carácter ou na vida pessoal do adversário. A generalização perigosa também pode servir como uma estratégia de ataque à democracia e à sua capacidade de bem funcionar. Deve ser considerado um ataque a todos os que são responsáveis por fazê-lo e às instituições democráticas, que são acusadas de incompetência. Segundo Lengauer et al. (2011), a negatividade pode ser diferenciada entre ataques dirigidos à generalidade, que se originam a partir das características da narrativa como um todo, e entre ataques dirigidos ao indivíduo-ator, que se manifestam através de personalizações da performance individual dos atores políticos, aqui incluindo os partidos, os candidatos e outros.
Não é por acaso que as campanhas são momentos ideais para serem analisadas à sombra deste conceito, “uma vez que as campanhas eleitorais são o período por excelência para apresentação de propostas políticas e para a avaliação e responsabilização da ação da legislatura anterior (…)” (Ramalhete, 2014, p. 1).
Impacto das campanhas negativas e da personalização política no eleitorado
É difícil compreender, pela complexidade e subjetividade dos dados, se campanhas negativas apresentam consequências diretas no público-eleitor. Não obstante, as análises já feitas demonstram que as consequências podem não se centrar sobre quem o eleitor decide votar (pelo menos, não, numa primeira instância), mas, sim, na confiança do eleitor no processo político.
Lengauer et al. (2011) acreditam que a cobertura mediática de campanhas negativas com confrontação causam sérias repercussões na forma como o público vê o processo político, tendo este fenómeno mais impacto nos cidadãos não-filiados em partidos políticos e nas pessoas com menos literacia e menos educação. Já Alessandro Nai e Jürgen Maier (2020) afirmam que o uso de metáforas agressivas tende a mobilizar os eleitores com características, personalidades ou crenças mais agressivas.
Vera Ramalhete (2014) reforça a divisão académica sobre o tópico, uma vez que existem autores que defendem uma repulsa do público pelos candidatos que se atacam, causando desmobilização no processo, e outros que defendem que as campanhas negativas estimulam a atenção dos eleitores para as campanhas:
(…) as campanhas negativas estimulam a atenção dos eleitores para os problemas políticos e questões públicas, estimulando o “dever republicano” de votar; estimula a ansiedade dos eleitores face a um candidato em concreto, levando-os a votar noutro; e dá a sensação de uma disputa mais renhida, uma eleição mais competitiva, em que o voto é mais decisivo (…) (Ramalhete, 2014, p. 26)
As consequências da utilização de negatividade também podem diferir dependendo do tipo de ataque. Segundo Cassese e Holman (2017), os ataques sobre características específicas e problemas identificados fazem com que as perceções sobre as capacidades do candidato-atacado desçam, abalando, portanto, as intenções de voto neste. Podemos dizer que o ataque específico tem mais chances de ser bem-sucedido ao contrário dos ataques pessoais, que são, normalmente, repugnados pelo público e que podem causar a supressão da participação eleitoral (Verhulsdonk et al.). Não obstante, para Nai et al., este tipo de estratégias não são apreciadas pelo público e tender a ser arriscadas.
Mesmo não alcançando um consenso no impacto que as campanhas negativas têm na mobilização eleitoral, acho pertinente salientar as consequências do processo de personalização política, que chegou à Europa, particularmente, por influência da forma americana de se fazer política (Ramalhete, 2014).
A mediatização da esfera pública, inicialmente provocada pelo aparecimento da televisão e, mais tarde, da internet e, agora, maximizada pela omnipresença das redes sociais, tem vindo a permitir ao público-eleitor escapar à leitura das propostas de governação nos programas eleitorais dos partidos políticos candidatos, seguindo as linhas-base publicadas pelos meios de comunicação. Ao mesmo tempo, a utilização do Twitter como uma plataforma de se fazer política também tem aproximado o público do seu candidato, o que não é algo negativo, mas tende a facilitar o processo de ligação de um rosto, uma pessoa, a um determinado partido, ideologia, causa ou, em alguns casos, a polémicas ou ao mau funcionamento da instituição democrática:
The decision on how to vote largely depends on the trust they deposit in a given candidate. Therefore, character, as portrayed in the media, becomes essential, because values – what matters for the majority of people – are embodied in the persons of the candidates. Politicians are the faces of politics. (Castells, 2019, p. 87)
Este processo de personalização política facilita a generalização da classe política aquando o aparecimento de escândalos ou decisões controversas que causam contestação na esfera pública, acabando por considerar que todos os políticos são o mesmo e estão na política para roubar ou para beneficiarem alguns e prejudicarem a vida dos cidadãos. As estratégias de comunicação negativas servem como um incentivo para isto acontecer, especialmente, quando o tema escolhido pelo atacante está direta ou indiretamente relacionado com assuntos que tocam parte do eleitorado (Fieschi, 2019).
Em suma, embora não exista uma perceção única sobre os efeitos que as campanhas negativas têm na população-eleitora, é possível perceber que existem dinâmicas a ser introduzidas no cenário político, como consequência da mediatização da esfera pública, que facilitam a desmobilização do eleitorado ou a mobilização frustrada, que votará num candidato disruptivo como forma de protesto ao estado da Instituição Democrática.
Estudo empírico: Contextualização politico-social das eleições legislativas 2022
As eleições legislativas de 2022 aconteceram antecipadamente depois do chumbo do Orçamento de Estado 2022, com votos a favor do PS, abstenções do PAN e das duas deputadas não-inscritas e votos contra do PSD, CDS, CHEGA, Bloco de Esquerda, PCP, PEV e Iniciativa Liberal. Este chumbo marcou, também, o fim da “Geringonça”, coligação das esquerdas parlamentares, que existiu entre 2015 e 2021, sem acordo assinado, entre o PS, o Bloco de Esquerda e o PCP, tema que veio a marcar grande parte da campanha eleitoral destes mesmos partidos.
As sondagens políticas também tiveram um papel crucial nestas eleições. A aproximação da intenção de voto entre o PS e o PSD fizeram com que os líderes destes partidos pedissem um voto útil, o que poderá ter causado a deslocação de votos nos partidos de Esquerda para apoiar o PS e evitar um governo de Direita, e a deslocação de votos nos partidos de Direita para apoiar o PSD e evitar um novo governo de PS.
A nível nacional, apresentaram-se 21 partidos candidatos, embora o número de partidos tenha variado nos diferentes círculos eleitorais, uma vez que nem todos os partidos apresentaram candidaturas a todos os círculos. Em apêndice, listo os 21 partidos candidatos, a sua ideologia e o seu líder partidário.
As eleições decorreram no dia 30 de Janeiro de 2022. Nesta altura, o país tinha acabado de sair de uma das mais fortes crises financeiras e sociais, causada pela pandemia SARS-coV-2. A variante ómicron, mais contagiante do que qualquer variante anteriormente existente, tinha-se tornado predominante em todo o território continental e os números de novos infetados atingiam limites nunca antes vistos. Aliás, quatro dias antes das eleições, no dia 26 de Janeiro de 2022, o número de novos infetados foi de 69.223, a incidência marcava os 5.728,4 casos por 100 habitantes e cerca de 9% da população portuguesa encontrava-se em isolamento ativo ou profilático.
Inicialmente, aqueles que estariam em confinamento estariam impedidos de se deslocar às urnas, no entanto, no dia 19 de Janeiro de 2022, o Governo, a então Ministra da Administração Interna e a Diretora-Geral da Direção Geral da Saúde anunciaram que qualquer pessoa, independentemente de estar infetada ou não, poderia deslocar-se às mesas de voto, deixando a sugestão, para quem estivesse infetado, que só o fizesse entre as 18 e as 19 horas, espaço temporal em que, normalmente, menos pessoas usufruem do direito ao sufrágio.
Os eleitores puderam votar antecipadamente, fazendo o pedido entre os dias 16 e 20 de Janeiro de 2022. No dia 23 de Janeiro de 2022, 285.848 eleitores (90,5% dos que pediram o voto) votaram antecipadamente.
As eleições ocorreram sem obstáculos no dia marcado. As urnas estiveram abertas entre as 8 e as 19 horas. Estavam inscritos 10.820.337 eleitores e utilizaram o sufrágio 5.563.497 (51,42%), marcando a abstenção nos 49,58%. O Partido Socialista alcançou a maioria absoluta, podendo formar governo sem negociações ou acordos com outros partidos.
É de notar o desaparecimento do CDS-PP e do PEV (que entrou na corrida em coligação com o PCP, mas não conseguiu eleger nenhum deputado) da Assembleia da República, o reaparecimento do Livre e um aumento substancial das bancadas do CHEGA e da Iniciativa Liberal.
O sufrágio no círculo eleitoral da Europa foi repetido, por decisão unânime do Tribunal Constitucional, uma vez que 80% dos votos deste círculo foram considerados nulos. A repetição decorreu entre os dias 12 e 13 de Março de 2022, de forma presencial ou por correspondência. Esta repetição atrasou a tomada de posse do novo Governo, que veio a acontecer no dia 30 de Março de 2022.
Estudo empírico: Metodologia
Os debates eleitorais são ferramentas importantes nas democracias ocidentais como forma de permitir ao cidadão esclarecer dúvidas sobre o processo eleitoral em que é chamado a votar. No entanto, estes são considerados eventos de campanha de impacto moderado, uma vez que são transmitidos em horários com pouca audiência. Normalmente, a generalidade dos debates alcançam uma audiência formada por pessoas com um interesse grande em política, rendimento alto e uma opinião política formada, o impacto destes debates frente-a-frente depende da cobertura jornalística que será, posteriormente, realizada, definindo quem foram os vencedores e os derrotados deste (Borba, 2016).
Para esclarecer a utilização atual de negatividade nas campanhas políticas portuguesas, desenvolvi o estudo empírico sobre as eleições mais recentes: as legislativas de 2022. Foi do meu interesse perceber qual seria a melhor forma de analisar a utilização e a forma destas estratégias. Assim sendo, analisei os debates frente-a-frente, dos partidos com assento parlamentar, que são organizados pelas televisões generalistas do país.
Estes debates foram transmitidos entre 2 de Janeiro de 2022 e 15 de Janeiro de 2022 e todos têm duração aproximada de 25 minutos, excluindo o debate entre o PS e o PSD, que teve 78 minutos de duração. Para este estudo empírico, analisei os 30 debates propostos na íntegra, anotando todos aqueles comportamentos que espelham uma estratégia de comunicação negativa, assinalando o atacante e o alvo do seu ataque.
Os debates frente-a-frente são proporcionadores de ataques (sejam eles pessoais, ao partido ou às ideias e causas defendidas pelo adversário), pelo tempo limitado que os candidatos possuem para falar e a necessidade de, não só transmitir as suas propostas, mas também de ter uma presença forte e assertiva, que venha a ser comentada pelos especialistas nos segmentemos dedicados à análise dos debates e nas redes sociais.
De tal forma, fundamentando-me através da literatura científica lida, considerarei uma estratégia de ataque os seguintes comportamentos:
- Ataque pessoal ao candidato (Surlin and Gordon, 1997, citado por Fonseca, 2019; Nai et al., 2021);
- Violação das normas de postura interpessoal formal, como, por exemplo, insultos, humilhação ou ridicularização do carácter ou políticas do adversário (Goovaerts, 2021);
- Sublinhar falhas ou polémicas passadas, que, claramente, são feitas para denegrir ou causar insegurança sobre a situação atual do partido (Borba 2016);
- Atribuição de culpa, ao candidato ou partido adversário, de problemas estruturais do país (Lengauer et al., 2021);
- Generalizações perigosas e utilização de hipérboles ou metáforas irrealistas e falsas, que coloquem em causa a integridade da Democracia e do seu funcionamento (Lengauer et al., 2021; Nai and Maier, 2020);
- Utilização de sarcasmo e ironia, como uma forma mitigada de humilhar ou insultar o adversário (Verhulsdonk et al., 2021);
- Interrupção constante do normal funcionamento do debate – sempre que o jornalista chamar a atenção do candidato a interromper (Sartika, 2021);
No caso específico dos debates das eleições legislativas 2022 existiram algumas questões que perturbaram o normal funcionamento dos mesmos que acho importante salientar antes de apresentar os resultados. O Livre – que elegeu uma deputada em 2019, que se desvinculou do partido, mas manteve o seu lugar no Parlamento como deputada não-inscrita – teve de participar a sua exclusão da lista de partidos com direito a debates frente-a-frente ao Tribunal Constitucional, que decidiu que, embora o Livre não possuísse nenhum deputado no Parlamento no momento em que as eleições foram antecipadas, elegeu-o no início da legislatura, tendo, portanto, o direito a tempo de antena, inclusive nos debates. A CDU recusou-se a debater com o CHEGA, mais tarde recusou-se a debater com qualquer partido, cuja transmissão não acontecesse nos principais canais de televisão, mas nas suas ramificações (por exemplo, na RTP3 ou SIC Notícias). Tendo isto em conta, a CDU acabou por debater apenas com o PS e com o PSD, por isso, não comentarei os resultados obtidos pelo partido por serem incompletos.
Estudo empírico: Análise de conteúdo
Os resultados deste estudo empírico são claros. As campanhas negativas são uma realidade enraizada na política portuguesa. Segundo os dados que reuni, um eleitor que tenha assistido às 15 horas de debates frente-a-frente foi exposto, em estimativa, a uma estratégia de comunicação negativa a cada minuto e meio. Obviamente que existem leituras que temos de fazer para percebermos quem mais usufrui deste tipo de estratégia de forma descontrolada.
O PSD foi o partido que menos negatividade teve nas suas participações em debates frente-a-frente, tendo dirigido mais ataques ao Partido Socialista. Segundo Curini e Martelli (2010, citados por Vera Ramalhete, 2014) é normal que os partidos mais próximos ideologicamente, sintam a necessidade de utilizar mais estratégias negativas para deixarem clara a distinção entre os dois para o público-eleitor. Rui Rio, representante do PSD nos debates, fê-lo, por exemplo, referindo-se à forma como o Governo lidou com a TAP – A TAP, aquilo que o Governo fez é uma vergonha (minuto 18:30, debate entre PSD e CDS) – ou com a previsão hiperbólica pessimista sobre o futuro da economia portuguesa num cenário de continuação de governação com António Costa – Portugal vai continuar a cair [com António Costa] (minuto 24:00, debate entre PSD e PS).
O mesmo aconteceu com o PS, que definiu diferenças sobre o seu adversário social-democrata, por exemplo, no aumento do salário mínimo – O que não podemos ter é um governo do Dr. Rui Rio, porque se achou que o aumento do salário foi pouco, ele achou que foi um excesso. (minuto 24:25, debate entre PS e Livre) – ou então utilizou estratégias negativas para esclarecer uma dicotomia entre PS, enquanto força política de Esquerda e PSD, enquanto força política de Direita – Esse exemplo [da isenção de IRS para uma família a partir do segundo filho] é muito claro da visão injusta que a Direita tem sobre a política fiscal (minuto 26:55, debate entre PS e CDS). António Costa também atacou, por várias vezes, o Bloco de Esquerda e a CDU pelo seu papel no chumbo do Orçamento de Estado de 2022, que veio causar a crise política e a queda do Governo – [O chumbo do Orçamento] “foi um ato de enorme irresponsabilidade (minuto 4:00, debate entre PS e CDU); (…) em 2020, quando estávamos no momento mais grave da pandemia (…) a direção do BE decidiu romper o diálogo à esquerda (minuto 3:30, debate entre PS e BE).
O Bloco de Esquerda e a Iniciativa Liberal utilizaram mais negatividade para atacar o CHEGA por diferentes razões. O Bloco fá-lo numa perspetiva utilitarista do tempo de antena para criticar e desconstruir a retórica da extrema-direita, por exemplo, dizendo que a extrema-direita não faz nada para combater os crimes por corrupção – Na verdade, a extrema-direita, nunca fez nada pelo combate à corrupção. (minuto 2:10, debate entre BE e CH) -, enquanto a IL fá-lo para afastar a hipótese do partido entrar numa solução governamentativa com o CHEGA – O CHEGA não é confiável, diz tudo e o seu contrário no espaço de um dia (…) (minuto 5:45, debate entre IL e CH).
O Bloco de Esquerda faz também vários ataques ao PS sobre o chumbo do Orçamento de Estado 2022, provando que foi um tema bastante discutido na campanha eleitoral para estas legislativas – Chegamos a uma situação de crise política, porque o Partido Socialista assim quis (minuto 1:15, debate entre BE e Livre).
No geral, os partidos e os seus representantes utilizaram estratégias negativas para, de uma forma forte, deixar passar as suas mensagens ou, então, para diferenciar programas. No entanto, a maioria das entradas do CDS e do CHEGA espelham pouco interesse em debate de ideias para a governação do país, mas antes numa performance dramatizada, exagerada para chamar a atenção da esfera pública – e incluo aqui a atenção do público-eleitor, dos meios de comunicação, que gerarão conversa e publicações nas redes sociais.
O CDS acabou por atacar mais o PAN, pelas suas grandes diferenças nas políticas agro-pecuárias e de combate às alterações climáticas. Francisco Rodrigues dos Santos diz ser, utilizando um insulto ao partido adversário, o porta-voz de um grupo que sai prejudicado pelas políticas do ambientais – Defender o mundo rural deste animalismo radical do PAN(minuto 26:00, debate entre CDS e PAN)- e põe em causa a formação de Inês de Sousa Real, sua adversária de debate – Se souber, e se estudasse (…) (minuto 15:50, debate entre CDS e PAN).
O CHEGA foi o partido que mais utilizou estratégias de ataque, entre as 266 contabilizadas encontram-se vários interrupções do normal funcionamento do debate, com intervenção da jornalista para controlar o comportamento de André Ventura, insultos diretos ao candidato adversário – A Catarina Martins não sabe isto, provavelmente, não sabe muito daquilo que lhe vou dizer (minuto 11:35, debate entre BE e CH) -, generalizações sobre o adversário – Hoje, se muitos propretários de restaurantes, de cafés, pequeno comércio, lojas, se estão a asfixiar, é por causa de António Costa (minuto 12:00, debate entre PS e CH) – e sobre o bom funcionamento do processo democrático – Nós não estamos aqui a brincar, nós estamos aqui por lugares (minuto 23:35, debate entre PSD e CH) – e atribuições de culpa irresponsáveis ao candidato ou partido adversário sobre problemas estruturais do país – O seu programa volta a trazer um debate (…) de humilhar ex-combatentes, de humilhar milhares de pessoas que hoje vivem na sociedade portuguesa (minuto 11:00, debate entre CH e Livre) -, o que encaixa na descrição neuro-linguística de outros líderes de extrema-direita feita por Wodak (2015):
“(…) politicians quickly learn to constantly interrupt other discussants, repeat their main points very loudly, change topics abruptly, and to viciously attack they opponents ad hominem, in televised debates, interviews or during election rallies. Such patterns became completely predictable; nevertheless, opponents and journalists were frequently caught in a dynamic where they were unable to position themselves adequately that is expose the fallacies and return to their own agenda.” (p. 130)
Refletir se as campanhas de comunicação negativas, levadas a cabo pelo CHEGA, estão a ser um sucesso não encaixa no objetivo deste ensaio científico. Cabe, sim, a este ensaio refletir sobre o impacto da negatividade em campanhas políticas no público-eleitor. Ao longo desta reflexão fui defendendo, com base em diferentes perspectivas teóricas, que, sim, existe algum impacto, que pode variar entre desmobilização ou mobilização por frustração. Qualquer um destes dois deve-nos preocupar ao ver que metade dos ataques feitos em debates frente-a-frente para as eleições legislativas de 2022, vieram pela voz de André Ventura e do CHEGA.
Conclusão
Ao longo desta reflexão sobre campanhas negativas e com base no estudo empírico desenvolvido, tentei esclarecer quem são os partidos portugueses que mais utilizam estas formas de comunicação e como é que a sua utilização descontrolada provoca certas consequências na sociedade. Foi minha intenção esclarecer que estas estratégias sempre fizeram parte do debate da comunicação política, especialmente em países liberais. No entanto, com a mediatização da esfera pública, através da utilização das redes sociais como uma ferramenta de campanha política, e com a americanização das campanhas políticas europeias, através da personalização do processo político, a negatividade começa a estar, exageradamente, presente naquilo que deveria ser um processo, acima de tudo, informativo.
O partido CHEGA, representado por André Ventura, utilizou a negatividade como uma ferramenta que favoreceu o seu discurso populista, utilizando generalizações perigosas, retórica humilhante para com o seu adversário e até mesmo insultos e argumentos ad hominem. A falta de legislação sobre as campanhas negativas e a incapacidade por parte dos meios de comunicação de perceber como mitigar o crescimento de forças populistas começam a notar-se na democracia portuguesa, uma vez que, nestas eleições sobre as quais o artigo se fundamenta, os portugueses foram expostos, em média, a uma estratégia de ataque a cada minuto e meio.
Embora este estudo sobre a utilização de negatividade nos debates frente-a-frente das eleições legislativas portuguesas de 2022 nos forneça dados empíricos, são muitas as questões que poderão ser levantadas, com todo o mérito de virem a ser debatidas. É possível criar legislação que ajude a mitigar este fenómeno? E se, no final do capítulo anterior, defendi que os meios de comunicação social deveriam ter uma maior participação no controle, por exemplo, na utilização de estratégias negativas nos debates eleitorais, até que ponto é que esse controle, por parte do moderador, não poderia ser acusado de ser parcial? Isso não daria mais força aos partidos populistas para crescerem?
À medida que fui estudando e aprofundando os meus conhecimentos sobre o tópico, mais fui-me apercebendo que este é um tema complexo, tal como são outros tópicos relacionados com limites à liberdade de expressão nas democracias liberais. No entanto, acredito que a Academia, acompanhada dos partidos políticos, meios de comunicação social e até mesmo a população não-académica, têm a obrigação de refletir sobre o assunto. Se queremos e trabalhamos para uma democracia com qualidade, temos de encontrar um meio-termo entre aquilo que é a liberdade de expressão, garantida por qualquer democracia liberal, e aquilo que é uma estratégia usada em exagero e que contamina o objetivo informativo dos debates eleitorais.
Referências
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Lista de Abreviaturas
- SIC – Sociedade Independente de Comunicação
- RTP – Rádio e Televisão de Portugal
- CNN – Cable News Network
- PS – Partido Socialista
- PSD – Partido Social Democrata
- CH – CHEGA
- BE – Bloco de Esquerda
- PEV – Partido Ecologista “Os Verdes”
- IL – Iniciativa Liberal
- PAN – Partido Pessoas – Animais – Natureza
- CDU – Coligação Democrática Unitária
- PCP – Partido Comunista Português
- CDS-PP – Partido do Centro Democrático Social – Partido Popular
- TAP – Transportes Aéreos Portugueses
- OE’22 – Orçamento de Estado de 2022
- AR – Assembleia da República
Notas
- “(…) criticizing the record of the opposing party or parties; questioning the judgment, experience and probity of opposing leaders; and generating fear about what the future might hold if the opposing party or parties were in power.” [citação original] [Continuar artigo]

João Miranda
João Miranda nasceu em 2001, ingressou na licenciatura em Línguas, Literaturas e Culturas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 2019. Em 2022, co-fundou a Europa Hoje, movimento estudantil preocupado em debater a atualidade europeia, e tornou-se presidente da mesma. No mesmo ano, iniciou os seus estudos no Mestrado em Comunicação e Cultura e tornou-se colaborador no Centro de Estudos Comparatistas da Universidade de Lisboa.