IV
de algodão eram teus sonhos, mãe, a leveza do sorriso em tuas mãos de cera
ainda criança percorrias a ilha, mãe, a ilha onde o amor é bênção de ignotos deuses
onde se escondem sombras na linha diáfana do horizonte
tingiam-se de verde os céus altivos
a esperança renascia no voo das aves que se ausentavam sempre
com a chegada da gravana
folhas de palmeira reflectindo a espera sorviam a lonjura
do grito lancinante do falcão da nossa existência
de andala eram tuas mãos, mãe
e passavas os poentes a vislumbrar o limiar do azul…
no teu rosto outonal a espuma do mar procurava ainda
a crespidão de teu cabelo afro cor de azeviche
IV
de algodão era bôj sonhe, mãe, kel levéza de kel sorrise ne boj mon de sera
inda menine bô tava perkorrê kel ilha, mãe, kel ilha ondê amor é bênsão de ignotos deuses
ondê te eskondê sombras ne linha diáfana de horizonte
tingi de verde kej céu altive
kel esperãnsa renassid ne voo dex ave ek tava ausentá sempre
ke txegada de gravana
folhas de palmeira te reflecti kel espera tava sorvê kel lonjura
de kel grite lansinante de kel falkão de nôj existênsia
de andala era boj mom, mãe
e bô tava passá kej poente te vislumbrá kel limiar do azul…
ne bô roste outonal kel espuma de mar tava procurá inda
kel krespidon de bô kabel afro kor de azevixe
VI
eterno e altivo no céu plúmbeo da ilha
o falcão sobrevive para anunciar a manhã de nossos morros
ufania de nosso tão abençoado obô
rente à linha do horizonte, ao sussurrar das águas, à luz ecléctica das folhas do palmar
seguindo o rumo dos ancestrais lenhos. Relíquia de nossos anciãos
pálpebras de sol, remoinhos de nomes
carmim em noites de trajetos luarentos como água que se move
em nossas mãos cravejadas de estrelas e de sonhos. Como se o horizonte lhe fosse pertença através de séculos
como se nossos corpos se regessem por seu voo amargurado e só
VI
eterno e altive ne séu plúmbeo dess ilha
kel falkão sobrevivê pa anunsiá kel manhã de nôj morre
ufania de noj tão abenssuóde obô
rente à linha d´horizonte, ne sussurrar de águas, ne luz eklétika de fólha de palmar
te seguí rume de ansestrais lenhos. Relíkia de nôj ansiões
pálpebras de sôl, remoinhe de nome
karmim ne noite de trajete luarente moda água ek te movê
ne nôj mom kravejode de estrélas e de sônhe. Moda se horizonte del
fosse pertença através de sékle
modá se nôj korpe regisse por sê voo amargurode e el só
XII
perdi-te nos velhos caminhos da roça. Escuridão irreflectida nas inquietas folhas dos bambus
sonhei-te em muitos longes e eras ave entretecida ao sonho
teu rosto espelho onde se vislumbrava o horizonte
teus pés dançarinos em jeito de onda naquele eterno vai-vem
num chão atapetado de outras pátrias
regado com vinho palma em cada mês da estação das chuvas
teus folguedos, oh sim teus apetitosos folguedos, testemunhos fieis de todas as vidas que aqui floriram
nas águas assombradas de gritos e de preces fica a embriaguez
de braços e abraços e beijos frementes entre sorrisos entreabertos à exuberância das horas
portal sagrado de enigmas e de rotas como fruto da distância inominada
prantos se extinguiram quando as rosas de porcelana exalaram seus púdicos odores
iguaria salteada de palavras verdes como a ilha onde repousam teus pés bailarinos
foste moçu káta em tua desabrigada infrutescência
em tuas veias onde se diluiu o som do pitu dôxi no acalento da partida e da chegada
Do livro Kilêlê, a dança sagrada do falcão
XII
um perdeb ne kel vêi kamim de rossa. Eskuridão irreflectide ne kej inkiet fólha de bambú
um sonhó-b ne kej mut longe e bô era ave entreteside ne kel sonhe
bô roste espelhe ondê gente tava vislumbrá kel horizonte
bôs pé dansarine ne jete de onda ne kel eterno vai-vêm
num txon atapetode de otxe pátria
regode ke vim palma ne kada mês de estassão de txuva
bôj folguede, oh sim bôj apetitose folguede, testemunhe fiel de tude kej vida ke eí florí
ne água assombrode de grite e de presse te fka embriaguez
de brosse e abrosse e beije fremente entre sorrise entreaberte ne exuberânsia de hora
portal sagrode de enigma e de rota moda frute de distânsia inominode
prante te extinguí konde rosas de porselana exalá sij púdiku odor
iguaria salteode de palavras verde moda kel ilha ondê repousá bôj pê bailarine
bô foi moçu káta ne bô desabrigada infrutexsênsia
ne bôj veia ondê dilui kel som de pitu dôxi ne akalente de partida e de xegada

Olinda Beja
Escritora, poeta, narradora, contadora de histórias, nasceu em Guadalupe, São Tomé e Príncipe, 1946. Ainda em criança foi enviada para Portugal onde reside atualmente. Mas um dia resolveu voltar ao seu país de origem e a partir daí assumiu a sua procura do tempo perdido. Com vasta obra publicada entre poesia, romances, contos e infanto-juvenil, dedicada à difusão da cultura santomense. Tem contos e poemas traduzidos para várias línguas e é detentora de prémios literários, distinções e homenagens. Os livros “À Sombra do Oká” e “Um Grão de Café” fazem parte do Plano Nacional de Leitura em Portugal.