O homem que apanhava flores
Um homem, enquanto apanhava flores, provocou uma grande guerra. Porém, enquanto os exércitos organizavam fileiras, o homem tentava explicar: eu só apanhava flores. Entretanto, chegou um prospetor imobiliário e perguntou: quem andava a apanhar flores no meu terreno? E o homem, que apanhava flores, levantou o braço com a serenidade de uma criança. Acresce que um técnico da proteção civil surgiu três dias depois, já a guerra desmatara muito terreno florido, olhou o local com minúcia e avisou: está proibido por lei tocar na paisagem. E assim, a guerra continuou com as suas tensões, com as estratégias ofensivas e defensivas… O homem que apanhava flores ia de novo dizer algo, mas pensou para si mesmo: uma semente sabe esperar, a maioria das sementes esperam um ano antes de germinar; uma semente de uma flor, por exemplo, pode esperar até dez anos pelas condições mais favoráveis. Os jornais, todavia, já anunciavam: Culpado! O homem que apanhava flores. A Opinião Pública reiterava: Culpado! O homem que apanhava flores. Enquanto que o homem ia insistindo ao seu jeito: eu só apanhava flores. Entretanto, um comentador de televisão explica em horário nobre as ardilosas intenções do homem que apanhava flores. Primeiro, vai querer distrair a vossa atenção. Depois, vai desmoralizar o vosso espírito. Logo, desestabilizar a vossa confiança. E por fim, apanhar mais flores, por conseguinte, provocar mais guerras. Houve outro comentador que tentou refutar esta opinião, foi porém interrompido por trinta segundos de publicidade. Ao local da guerra chegara, entretanto, um juiz embargador com um grande molhe de papéis declarando que aquele terreno estava embargado e não era possível um homem estar ali a apanhar flores. E apresentou os papéis legais do terreno. A guerra parou por uns minutos, houve alguém que aproveitou e saiu para ir comprar flores. Anunciaram mais trinta segundos de publicidade. Pensaram que talvez o homem que apanhava flores fosse mesmo inocente, no entanto, após um dos exércitos duvidar dos papéis do embargo, a guerra continuou. O homem, pensou em repetir que só apanhava flores, mas preferiu dizer: sou pobre. O comentador de televisão afirmou: nunca se ganharam guerras com flores. O prospetor imobiliário acrescentou: tenho ótimos terrenos para se fazerem novas guerras. A Opinião Pública insistiu: culpado! Subitamente, chegou o mau tempo e ambos exércitos tiveram de se juntar de baixo de um toldo; ali, olhando os rostos cansados dos seus adversários e sob a chuva forte que caia de forma melancólica, como se pressagiassem a derrota coletiva, decidiram que o melhor seria ir apanhar flores pelo mundo. Assim, a grande guerra sem que ninguém contara, acabou repentinamente. O homem pobre nunca mais voltou a apanhar flores. E outras guerras de menor interesse iniciaram-se na cabeça dos humanos.

Tiago Alves Costa
Tiago Alves Costa (V.N. de Famalicão, 1980), é poeta, escritor e tradutor. A sua obra foi publicada na Galiza, Portugal e Brasil, incluindo “Žižek vai ao Ginásio” (Através Editora / Edições Macondo). O conto “A Porta do Reconhecimento” recebeu o Prémio Manuel Murguia de Narracións Breves e, em 2021, estreia-se na dramaturgia com a peça “Cubo”. É co-diretor da Revista Digital de Artes e Letras Palavra Comum. É o primeiro português a tornar-se membro da Associação de Escritoras e Escritores em Língua Galega (AELG). Licenciou-se em Publicidade, com pós-graduação em Criatividade e Inovação pela Tompkins Cortland Community College (E.U.A).