[sobre monstros e Mamute]

criando o New Mammal
[como peça única 
de um futuro pretérito]
para expô-lo como troféu 
em novo museu 
pré-histórico a ser criado
em acabamento
[exibilo],
os homens do Último Império
acreditam marcar a história,
mesmo sabendo ser
o último capítulo
de seu aniquilamento,

com este ato
[glorificam suas grandes conquistas
de derribamento]:
se reafirmando deuses
recriam aquilo que será
exibi-lo vivo:
The New Mammoth 
           [a espécie única
           de um mundo 
que se foi
           antes mesmo de ter sido 
razia 
           ou sua, ou dos seus]

só assim
não foram capazes
da [vastação],
só assim, e por isso,
não foram capazes
da [extinção].

mas para todo extermínio,
existe uma segunda chance.

[Midas]

homens brancos
do Vale do Silício
[podres de rico]
tocam em tudo
e a ponta de seus dedos
são ouro de lei
e tudo o que tocam
vira ouro aos tolos.

[o Vale]

sem inverno
não há flor,
inexistente é o rosa
das ameixeiras,

[mataram também
a primavera]
.

elas
que em sua natureza
rompiam o inóspito,
nem elas
sobreviveram
ao deserto construído
de espelhos e vidros,

[impedidos também foram
o perfume dos pessegueiros
e o doce dos damascos]

[sonham com ovelhas elétricas]




on

.

[quando a palavra já perdeu 
 toda a magia]
.
.

sonhar sobre sonhar
sobre sonhar
sobre sonhar 
sobre uma
coisa,
           ou outra
coisa,

.

até cair,

.
.
.


         [contra o apagar
da luz]


.
.


no s[on]o,

.

antes de que as fábricas
de replicantes 
acordem
todos
Andróides.

[hub]

João controlava Teresa
que confiava na Siri
que monitorava Raimundo
que dependia do Harpy
que rastreava Maria
que se confessava à Alexa
que manipulava Joaquim
que obedecia Assistent
que seduzia Lili
que se abria à Cortana
que delatou todo mundo,

pois não amava ninguém.

[a floresta que marcha]


comprei uma floresta,

[os homens brancos,
podres de rico
do Vale do Silício]
vendem todo tipo:
desejo
pornografia 
e felicidade,
                      descartáveis,
[de tão
inventivos]
deram de vender novas florestas,


.

eu comprei uma floresta
de sementes,
[futuros e novo futuro
                                           à venda]
e parcelei em muitas vezes,
na livre oferta:
entre o bolor do velho,
o azedo do passado, 
um presente cru,
e o veneno das nossas 
meias verdades rastreadas,
[o insuportável doce
futuro] 
sementes de mentira:
[garantia]
da segurança de videiras, 
[inovadora]
coleção única de árvores,
plantas – que recombinadas –
coabitam jardins particulares,
[fetiches privados]

.

uma floresta de sementes,
que agora anda
até mim,
[sabe que quem 
comercializa florestas,
causa
tormentas?]
agora aguardo a Amazon,
minhas sementes do futuro,
[mas nós já não o perdemos?]
e que não demore,
pois o futuro de ontem,
não causará mais desejo amanhã,
:
.

eu comprei
sementes e mais sementes,

[é de Microcosmos, 
ou Às Cegas,
 a tão odiada metáfora:
 do mundo como uma floresta
 de enforcados?]
posso confiar
na floresta que se move,
que marcha seus espectros
e fantasmas?
ou deveria ter ouvido
as três vozes,
aquelas que falaram aos homens brancos 
do Vale, 
e antes, aos mais brancos
que os brancos homens do Vale?

entre fim, 
do terceiro e do quarto
Império do fim do Ocidente
quando da descoberta 
dos corpos na floresta
de Zernikow, 
entre o desenho 
dos pinheiros 
amarelos
no verde cinza,
ouviu-se:

[só não esqueça
                                ]

.

mesmo assim,
comprei uma floresta,

e não sei se devo plantá-la.

Antonio Martinelli

Poeta, jornalista e gestor cultural. Autor de “Tetralogia da Peste [dois tempos, uma cidade]”, publicado pela N-1 Edições e [gaia] , pela editora Quelônio. É colunista da revista Pessoa. Tem poemas publicados na revista Glac, USO e Continente, e participa da coletânea “2020: o ano que não começou”, da Editora Reformatório. Colaborou para a revista Caros Amigos.Desde 2005, trabalha no SESC São Paulo. Foi curador e coordenador do projeto “Brasil, país homenageado na Feira do Livro de Frankfurt”, em 2013, na Alemanha. Participou de juris e comissões nas áreas de dramaturgia, bibliotecas e literatura.

#001