CONTRA OS CANHÕES DANÇAR DANÇAR

apanhadores de lama de todos os países uni-vos
artistas enquanto houver água seremos os esteiros

ei traz o balde puxa sobe

e volt’aviar
ei traz o balde puxa sobe
e volt’aviar
ei traz o balde puxa sobe
e volt’aviar
gaitinhas guedelhas gineto maquineta e sagui

poetas da blusa amarela

                                                                de três metros de entardecer

sacerdotes da inspiração despercebida

legisladores não reconhecidos

jardins de carência minha asa

caminharemos de olhos dados

pela planície vermelha que desperta

a plenos pulmões desfiaremos o silêncio dos oprimidos

a plenos pulmões quebraremos as algemas das crianças detidas

a plenos pulmões arrancaremos do peito o espinho

o ponto mais alto da rosa

o veludo mais casto da certeza

a pétala que marca cada livro por escrever

pois o mundo foi apanhado por uma praga de gafanhotos

uma peste de ratos mecânicos

um bando de abutres esfaimados

inventores da guerra para estufas de capital

por isso vos digo


CONTRA OS CANHÕES DANÇAR DANÇAR
CONTRA OS CANHÕES DANÇAR DANÇAR
CONTRA OS CANHÕES DANÇAR DANÇAR
os muros estão mais altos

não foram as pernas que encolheram

os garotos estão mortos vivos velhos a nascer

uma roda pedalada pelo medo

mas medo qual medo multipétalos uivos

não haveria um só rio se não fosse a arte

uma fímbria rodada

uma memória eterna de espelhar

é a arte o paiol da verdade

o infurtável riso

a inviolável menina

o fruto que cresce quanto mais a rama lhe podam

que pulmão que veia que sangue que luz

de césar a monteiro de fausto aos abismos do mar

que janelas de ímpar ímpar se abrem ó salvação

ao ver ali assinada a liberdade

LI BER DA DE em cada traço

seja no perecível papel pintado com café

ao pigmento rosa sobre xisto no deserto do sahara

LI BER DA DE
antes que nos esqueça

ou vê-los passar esses sacanas dos artistas

esses que afinal são o que todos queriam ser

nem que mais não fosse nem que mais

antes que nos esqueça

apanhadores de lama de todos os países uni-vos


estamos dispersos fomos soprados

evitemos a fome a alienação e auto-censura

também os fantasmas de metralhadora são perecíveis

a arte é liberdade infinita

o apelo à imaginação à fantasia à descoberta ao sonho

à não obediência a qualquer regra

antes que nos esqueça

não sejamos a criança espancada pelo entrave

nem deixemos que a obra seja a monca que escorre

afoitos certeiros arcos afinados

apanhadores de lama de todos os países uni-vos


nada nos pode derrubar a descoisificada ideia

sejamos um ramo da hiperbórea milenar

lembremos os antepassados (como agora)

e puxemos-lhe as patas para diante

para esse sonhado agora porvir

sejamos fortes de faca nos dentes

mesmo esculpindo relâmpagos para adornar rotundas

às vezes

ó maria ó lisboa antónio

mas não deixemos que joanas moldem rosários na nossa viola

não nos deixemos ajoelhar perante as regras da submissão

submeter submeter submeter

sobrevoar sobrevoar sobrevoar

é por dentro que nos ouvimos

por isso nada nos pode calar

antes que nos esqueça

apanhadores de lama de todos os países uni-vos
artistas enquanto houver água seremos os esteiros

ei traz o balde puxa sobe
e volt’aviar
ei traz o balde puxa sobe
e volt’aviar
ei traz o balde puxa sobe
e volt’aviar
CONTRA OS CANHÕES DANÇAR DANÇAR

KONTRA KAÑON DANSÁ DANSÁ

apanhador de lama de tude país bzot juntá
artistas inkuente tiver ága nôs é esteire

ei trazê balde puxá sbí

e volt’aviar
ei trazê um balde puxá sbí
e volt’aviar
ei trazê balde puxá sbi
e volt’aviar
geitinhas guedelhas ginete makinéta i sagui

poetas de bluza amerela

                                                                de trêj metre de interdesê

sacerdotes de inspirassão dexpersebide

legisladores não reconheside

jardins de karênsia nha asa

no t kaminhá de oi dode

pum planísie vermelhe ke ti ta dexpertá

a plenos pulmões no te desafiá silênsio de oprimide

a plenos pulmões no t kebrá algemas des kriansa

 detide

a plenos pulmões no t ranká de peite espin

ponte más olte dum rosa

velude maj kaste de serteza

pétala ke marká kada livre por eskrevê

purke mundo foi ponhode pun praga de gafañote

um peste de rote mekâniku

um bonde de abutrej esfomióde

inventores de guerra pe estufa de kapital

por isse em te dzê


KONTRA KAÑON DANSÁ DANSÁ
KONTRA KAÑON DANSÁ DANSÁ
KONTRA KAÑON DANSÁ DANSÁ
ex mure te mej olte

não foi pernas ke inkolié

ej menine te morte vive veí t najssê

roda pedolode pe méde

má méde kual mede multipétalos uivo

ka tinha um sô rio se´n fosse arte

um fímbria rodode

um memória eterna te espeliá

é arte paiol de verdade

infurtável rise

inviolável menininha

frute ek te krejsse kuante mej se rama for podode

ki pulmon ki veia ki sengue ki luz

de césar a monter de foste a abismos de mar

ki janelas de ímpar ímpar t abri ó salvosson

te oiá eí sinode liberdede

LI BER DE DE ne kada trosse

seja num peressível papel pintode ke kafé

à pigmente rosa ne xiste ne deserte de sahara

LI BER DE DE
antej ke nô eskssê

ô oiej t passá ess sakanaj dess artista

ess ke afinal é o ke tude gente kria ser

nem ke mej não fosse nem ke mej

antej ke nô eskssê

apanhadores de lama de tude país bzot juntá


nô t sfringanhod nô é soprod

nô evitá fome alienason e auto-sensur

fantasmas de metralhadora tembê é peressível

arte e liberdede infinita

apele à imaginason à fantésia à deskuberta à sonhe

à não obediénsia a kolker regra

antes ke nô eskssê

ka no ser kel kriansa esponkode pe um entrave

nem nô txá kel obra ser um monka ek te ejkerrê

afoite serter arke afinode

apanhadores de lama de tude país bzot juntá


nada t podê derrubá ess deskoisifikode ideia

nô ser um rome de hiperbórea milenar

nô lembrá nôs antepassade (moda grinhasim)

e no puxá pata pe diênte

pe´sse snhode agora porvir

nô ser forte de faka ne dente

mesmo te eskulpí relâmpagos pe adorná retunda

às vez

ó meria ó lisboa entône

má ka nô txá ex joanas moldá rosérie ne nôs viola

má ka nô ajoelhá perante regras de

submisson

submetê submetê submetê

sobrevoá sobrevoá sobrevoá

e por dentre ke nô te ouvi

por isse nada podê kalá noj

antej ke nô eskssê

apanhadores de lama de tude país bzot juntá
artistas inkuente tiver ága noj é esteire

ei trazê balde puxá sbí

e volt’aviar
ei trazê balde puxá sbí
e volt’aviar
ei trazê balde puxá sbi
e volt’aviar
KONTRA KAÑON DANSÁ DANSÁ

Traduçon pe kriol Márcia Brito

INVOCAÇÃO PARA O RITUAL DA QUEIMADA

(Dito por F e repetido em canon pela Tríade e pelo público em laço anti-passivo, pois é como se todos tivessem trazido um fruto ou outro elemento, para o fogo-novo)

Suprema Brigantia, Mãe Tríade
Senhora dos Espíritos da Natureza
Que a tua inspiração sagrada
Se derrame dourada
Sobre a anima incandescente das tribos

Seta de fogo, Chama Sagrada
De cujo ventre desaba a humanidade para as águas da cura
Para a transformação mágica dos Mistérios da Terra

Que este caldeirão de abundância
Proteja as colheitas e os alimentos
De todos os seres!

Que pelo filtro da escuridão
Possam os antepassados despertar para a vida espiritual
Guiando as nossas almas
Para a luz eterna de cada gesto!

Esta moca em que seguro
Tem de um lado a morte, doutro a ressurreição.

(Dito por Glória tocando acordeon)
As teclas que os meus bardos dedos tangem
Suspiram a melodia de todos os sons
A Natureza sagrada de todas as coisas
Unificadora das tribos nesta jornada dispersa.
(F desenha com giz uma grande espiral e dizem as 3)
Este é o Círculo Cósmico da espiral apocalíptica
A Queimada é a centelha revivorante do Samain
Com o álcool mais puro e os frutos mais doces
Onde os antepassados despertam para a féerica dimensão da Alma
DESPERTEM ANAM CARAS!
(F para a Mara e Glória)
Vês, há um bosque centrado em nós!
A noite desnuda os outros mundos e esses tornam-se acessíveis e de habilidade especial. 
(A Mara diz)
Os Anaom visitam as famílias!
Melusine com os seus pés de cabra expande-se pelas folhas das árvores!
A luz que nos liga aos vossos olhos ilumina qualquer escuridão.
(A Tríade diz)
CONHECIMENTO! NATUREZA! VERDADE!
(Glória diz tocando acordeon)
O Sol encerrou o dia
E todos bailaremos ao redor da vida até cair a última folha!
(Mara diz enquanto F manuseia a colher da Queimada elevando o fogo. Glória toca.)
O fogo que vem deste caldeirão
Fermenta a alma dos frutos
(A Tríade diz)
Eimba inspiração sagrada!
Centro do Cosmos!
Que Brigantia ascenda pelas labaredas
Para regenerar o Universo
Caminho que a cada etapa mais belo se revela.
A Lua honra os frutos
Cura a Terra e agradece as Glórias!
(F diz)
Oh Vates! Como sois belos!
Purificai o espírito com esta Queimada! (A Tríade diz)
Somos Sacerdotisas felizes
Ao ver escorrer a luz
Pelas vossas gargântuas!

DESPERTEM ANAM CARAS!
QUE O FOGO SE RENOVE INFINITAMENTE!

Invocação para o ritual da Queimada, 2012

Brigantia – deriva etimologicamente de Briguit, que significa luminosa e é uma deusa tríplice do fogo, da inspiração, da ferraria, da poesia, da cura e da adivinhação.
Samain – etimologicamente, significa fim de verão e deriva de duas palavras “samh”, verão e “fuin”, fim. O mês de novembro é chamado, em irlandês, de “Mí na Samhain”.
Anam Cara – conceito celta de “amigo da alma”, na religião e na espiritualidade. A expressão é uma anglicização da palavra irlandesa anamchara, anam que significa “alma” e cara que significa “amigo”.
Eimba – inspiração sagrada.
Vate – alguém que vaticina ou prediz, aquele que faz poesia ou faz versos.

Fátima Vale

actriz | poeta | coringa de teatro do oprimido. a sua placenta foi enterrada em oshackati, namíbia, no ano de 1975. publicou as obras azimute (temas originais, 2011), ‘spabilanto (incomunidade, 2012), colostro das vitórias (edições sem nome, 2016). tem colaboração dispersa nas revistas OPEN SPACE – THINGS THAT MATHER (ny) infernus (pt), incomunidade (pt), cultura entre culturas (pt), mallarmagens (br), zunái (br), propulsão (br), tlön (pt), ideia (pt), oresteia (pt), entre outras, participando em várias antologias de poesia. está no teatro profissional desde 1995. não aceita telenovelas. vai publicar em breve “espartilho de pedra” e a obra reunida. desde 2001, é mãe, onde trabalha a tempo inteiro.

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