impact

Por linhas tortas – tal como as que se cruzam pelo território – é desenhado um panorama que se centra numa pequena localidade do interior da ilha de Santiago, Cabo Verde, onde foi desenvolvido o projeto impact.

Porto da Ribeira da Barca é o nome composto.
Ribeira da Barca é o nome oficial.
Porto é o seu “nominha”, aquele nome de casa que damos a quem queremos adjectivar a forma como lhe chamamos para que fique mais próximo, colocando-lhe sobre si a carga-leve de quem lhe reconhece o passado.
E no passado era porto, o porto mais importante da ilha. Mas disso só se esqueceu de quem lá não é, porque a quem lá habita, é “porto” que lhe sai da boca quando desse lugar fala.
Porto é partidas e chegadas, é idas e vindas, é movimento, sazonalidade. É troca; interpessoal, de mercadorias e dinheiros. Hoje – como de “porto” apenas reza a história – as partidas só se fazem por terra e por necessidade, para que se possa prosseguir com a vida. As mercadorias e os dinheiros já lá não chegam.
A globalização estalou num momento em que o porto da Praia estava já apetrechado e, durante décadas “na porto de um vez” os dinheiros são gerados – também com a partida por terra – de uma única mercadoria: a areia.
E a globalização veio acelerar tudo: migrações, construções, cidades. Betão. Essa globalização chegava à Ribeira da Barca empoleirada nas rodas dos pesados de mercadorias que daí saíam com matéria prima para a materialização das cidades, das construções e das migrações. E assim foi por décadas. Gerações de mulheres construíram também as suas casas, criaram os seus filhos e desenrascaram as suas vidas, assentando fundações sobre essas areias que, com o passar do tempo, se tornariam “movediças”.
À globalização procede o entendimento global dos ecossistemas, dos mares, orlas costeiras, vales, da fauna e da flora, entendimento global esse que dita na viragem de milénio a proibição da actividade, procedida também ela, da instalação de britadeiras que passam a fornecer o mercado nacional.
Durante décadas, instrumentalizou-se a actividade por necessidade, e a própria actividade – levada a cabo também ela por necessidade – extingue-se. Extingue-se pela necessidade em travar o impacte ambiental da construção no frágil ecossistema cabo-verdiano. Mas e agora? Se se perpetuou a condição de matriarca na qual o homem pouco mais é do que “pai d’fidje”, se por gerações se conseguiu retirar subsistência de um bem que se acreditou ser infinito? Se não há alternativa?
Do “porto” apenas reza a história. Tanto movimento para lá e para cá. E agora?

Impressão digital que fica onde passas.
Caminhos que se cruzam, acima e abaixo.
Feições queimadas, calor infernal,
Pó que se dilui em aragens escassas.
És terra em ebulição!
Num manancial de partículas em suspensão
em contraluz no mergulhar do sol,
– que é fogo para lá do Fogo – até à sua extinção
e que te acalma os pés descalços.
Amanhã continuarás, acima e abaixo,
até à exaustão
entre lenha, a água e o sacho,
são os pés irrequietos
de quem dá o pão,
sem nunca pensar se é em vão:
é fé, são os filhos e netos.

Assim são as matriarcas do lugar, rabiadeiras, rabidantes, inquietas pelo pão e pela educação que lhes cabe providenciar aos filhos.
Do mar, chegam pequenos botes com pequenos peixes, que atracam nas pequenas praias de extintas areias. Ao largo, grandes embarcações andam em alto mar, fruto de grandes negócios feitos por altas patentes. Os pescadores rabiam, também eles entalados entre forças que não conseguem combater: da costa, o ataque aos ecossistemas marinhos que a extinção de areia espoletou, e do mar, os acordos feitos por peixe graúdo que a exploração das águas promoveu.
E o lugar vai caindo no esquecimento.
Mas os pés inquietos persistem. É preciso continuar.

gira que gira, vento que bate, poeira se solta.

impact

No litoral da ilha de Santiago, a labuta da areia para a construção é feita por mulheres chefes de família, num país onde 30,2% das famílias monoparentais se fazem representar por mulheres. impact é a forma como se diz impacto em crioulo e é um projeto de Inês Alves e Lara Plácido. Ambas propõem um sistema construtivo ecológico de encaixe, isto é, a substituição de uma parte dos resíduos inertes por vidro e plástico triturados. A sua configuração versátil valeu-lhe a seleção para o Salão Created in Cabo Verde, do Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design no âmbito da URDI, Feira do Artesanato e Design de Cabo Verde 2020.
Inês Alves | Lara Plácido.
www.projetoimpact.org/

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