Há uma música do povo, há uma música de Pessoa
Revisitação de um poema de Fernando Pessoa

Jerónimo Pizarro1
Isabel Gaspar2


          No âmbito da preparação de uma atividade cultural em Havana, da iniciativa do produtor e diretor artístico Helson Hernández, que propunha fados cantados por vozes cubanas, considerou-se a possibilidade de as peças selecionadas serem traduzidas para espanhol, a fim de os cantores, de registos distintos desta tipologia e sem contacto habitual com a língua portuguesa, poderem centrar a sua atenção no desempenho, isentos da necessidade de controlar aspetos específicos da dicção do português europeu. Para os hispanofalantes em geral, o vocalismo átono e o sistema de sibilantes desta variante podem ser particularmente difíceis de reproduzir nos mesmos termos e suscitar problemas ainda mais críticos aquando da sua concretização em forma cantada. Acresce o facto de, na sequência do atual contexto pandémico, se encontrar ainda restrita a desejada disponibilidade para um trabalho de acompanhamento intenso ao nível da dicção, muitas vezes agravado por logísticas complexas de mobilidade e/ou conexão à distância. Interessava, por outro, facilitar ao potencial público hispanofalante a compreensão plena do conteúdo, muitas vezes apenas intuído, segundo experiência facultada por edições anteriores à pandemia com versões originais, questão que uma folha de sala detalhada não satisfazia da mesma forma.

          Fixada a estratégia, a preocupação centrou-se na tradução dos textos. Às questões habitualmente presentes em tal processo, juntava-se a necessidade de respeitar a composição musical portuguesa previamente existente, a fim de preservar o mais possível a proximidade melódica com a versão original. Numa fase prévia, procedeu-se à prospeção de possíveis traduções já disponíveis, quer em publicações, quer em versões destinadas a auditórios. Isto teria particular relevo para o caso de um dos fados selecionados, “Há uma música do povo”, com poema de Fernando Pessoa, datado de 1928, e uma belíssima composição do guitarrista Mário Pacheco, datada, por sua vez, de 2005. O poema é composto por cinco quadras de oito sílabas com rima cruzada. A versão transposta para fado tornou-se conhecida através de Mariza, uma das fadistas mais reputadas junto do público em geral.

          A probabilidade de existir uma tradução era elevada, dado Pessoa ser um poeta amplamente traduzido em espanhol. Por essa razão, foi estabelecido contacto com Jerónimo Pizarro, um dos autores deste contributo e especialista em Pessoa, na expetativa de que tivesse uma perceção bem alargada de traduções já realizadas. Refira-se que, caso exista, não foi possível localizar uma tradução do texto em particular, com exceção de versões pontuais e automáticas disponíveis na internet, com limitações diversas e a falta de credibilidade daí decorrente. 

         Face a tal, a primeira versão de uma potencial tradução foi realizada com a pianista cubana prevista para o acompanhamento de algumas peças, Rosa Garcia Oropesa, que, dada experiência anterior com o projeto e conhecimento de nível avançado da língua portuguesa, poderia conciliar, pelo menos numa etapa inicial, as componentes textuais e melódicas existentes. A versão utilizada como referência era a cantada por Mariza, acompanhada à guitarra portuguesa precisamente por Mário Pacheco.

Primeira questão prática: o ponto de partida

          O texto, disponível no acervo do “Portal do Fado”, importante repositório desta tipologia musical, não coincidia em pleno com a versão do poema disponibilizado, por sua vez, em “Arquivo Pessoa: Obra Édita”, fonte de referência para divulgação de edições não críticas do poeta. Observava-se uma discrepância em dois versos, conforme abaixo. 

Há uma música do povo

Versão disponibilizada em:  Arquivo Pessoa: Obra Édita – Há uma música do povo, –

Última consulta: 06.11.2021
Versão disponibilizada em:  Há uma música do povo | Fado de Lisboa (portaldofado.net)
Texto: Fernando Pessoa, 1928
Composição: Mário Pacheco, 2005

Última consulta: 06.11.2021

Há uma música do povo,          
Nem sei dizer se é um fado
3 Que ouvindo-a há um chiste novo
No ser que tenho guardado…

Ouvindo-a sou quem seria          
Se desejar fosse ser…          
É uma simples melodia          
Das que se aprendem a viver…

E ouço-a embalado e sozinho…         
É essa mesma que eu quis…         
Perdi a fé e o caminho…         
Quem não fui é que é feliz.

Mas é tão consoladora         
A vaga e triste canção…         
Que a minha alma já não chora         
Nem eu tenho coração…

16 Se uma emoção estrangeira,         
Um erro de sonho ido…         
Canto de qualquer maneira         
E acaba com um sentido!

9-11-1928

Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990). – 102.
          Há uma música do povo
          Nem sei dizer se é um fado
3        Que ouvindo-a, há um ritmo novo
          No ser que tenho guardado

          Ouvindo-a, sou quem seria
          Se desejar fosse ser
          É uma simples melodia
          Das que se aprendem a viver

          Mas é tão consoladora
          A vaga e triste canção
          Que a minhalma já não chora
          Nem eu tenho coração

13      Sou uma emoção estrangeira
          Um erro de sonho ido
          Canto de qualquer maneira
          E acabo com um sentido

          E ouço-a embalado e sozinho
          É isso mesmo que eu quis
          Perdi a fé e o caminho
          Quem não fui é que é feliz

         A versão disponibilizada no Portal apresentava ainda a terceira estrofe no final do poema, como remate do mesmo. A versão efetivamente cantada não integrava, por sua vez, a estrofe. Pelo menos, nas versões a que pudemos ter acesso.

          A supressão deste elemento não nos preocupava tanto como a diferença observada nos versos, uma vez que poderia corresponder a uma opção de caráter prático face à possibilidade de, musical e/ou vocalmente, ser mais complexa a sua execução dentro do esquema melódico, ou de se perspetivar uma extensão mais reduzida do texto para maior efeito dramático. Naturalmente que tal supressão e/ou alteração na ordem têm repercussões na interpretação, superáveis, no entanto, para o caso em análise, através da sua integração e retoma da sequência apresentada no Arquivo. Contudo, as diferenças nos versos acima referenciadas assumiam outra importância, dado alterarem o sentido, pelo menos, de parte das estrofes. 

          Declarar que “há um ritmo novo” (Portal) ao invés de “há um chiste novo” (Arquivo), no terceiro verso da primeira estrofe, é realmente distinto, bem como afirmar “Sou uma emoção estrangeira” (Portal) por contraste à eventual expressão de condição de “Se uma emoção estrangeira” (Arquivo), no primeiro verso da última estrofe do poema, igualmente última da versão cantada (diferente na ordem, como já referido, da versão no Portal). 

          Considerando a informação contida nas estrofes em que tais versos se integram e no poema em geral, a versão cantada oferecia uma lógica aparentemente mais “expectável”. Contudo, uma das características estilísticas frequentes em Pessoa reside no uso inusitado de palavras e/ou construções sintáticas, criando um efeito de estranheza com recursos bastante simples, mas efetivos pelo desconcerto da sua opção ao nível da coerência e coesão textuais. O termo “ritmo” parecia consensual na lógica do seu enquadramento, mas “chiste” continha um potencial de ironia e ambiguidade interessantes para o contexto em causa. 

          A afirmação “Sou uma emoção estrangeira” era muito possível como verso até emblemático de parte do processo de heteronímia tão caro ao autor, mas a condicional iniciada por “Se uma emoção estrangeira” poderia oferecer de modo talvez ainda mais ambíguo, pelo seu caráter inconclusivo e suspenso, essa natureza estranha, essa fronteira de/em si mesmo. E o que se sabe, afinal, das opções criativas dos autores? 

          Entretanto, a forma afirmativa do verso apresentava, na composição musical e interpretação da fadista, uma centralidade e dramaticidade de tal modo próprias que o poema parecia não existir sem essa assertividade.

         Após a consulta de outras edições fidedignas, incluindo cópia do manuscrito, percebemos que a versão ora disponível online em “Arquivo Pessoa: Obra Édita” não seria, com efeito, a mais recente. Ficou esclarecido que “ritmo” e “sou” corresponderiam, pelo menos com muito maior probabilidade, às palavras registadas no manuscrito, ao invés de ”chiste” e “se”, rematando a nossa angústia e imaginação interpretativas por inexistência pura e simples dos termos em discussão. Na sequência, a versão cantada poderia ser tida como peça de referência, importante critério para controlo da execução vocal.

Primeira questão prática: a “cantabilidade” 

         Mesmo tendo em consideração que parte da produção poética nem sempre foi ou é concebida para ser oralizada através de canto ou afins, esta tipologia textual apresenta-se, na sua estrutura, com forte dependência do ritmo, obtido através de processos diversos, desde a extensão versificatória a vários tipos de efeitos melódicos criados pelas palavras por si só e/ou arquiteturas frásicas diversas, com eventual jogo rimático, se existente, passando pela própria repartição de versos em estrofes de determinada estrutura ou assunção dos mesmos num só corpo sequencial. Não é por acaso que, a par de texto poético3, se denomina como texto lírico4.

          Ao musicar-se um poema para ser cantado, a questão da cadência verbal em interação com a linguagem instrumental e a dinâmica articulatória do aparelho vocal apresenta desafios específicos. Um texto previamente existente a uma composição desta natureza sofre, muitas vezes, ajustamentos para que essa afinidade funcione de determinado modo e, sobretudo, seja “cantável”, pondo em evidência a questão prática da dicção em contexto melódico, em especial se o mesmo “obedece”, por sua vez, a uma tipologia vocalmente muito marcada, como é, neste exemplo, o caso do fado. Pontos e modos de articulação em equilíbrios diversos nem sempre fáceis de gerir, a dramatização do conteúdo com maior ou menor ênfase, um jogo de passagem de ar em vozes concretas. 

          A tradução de um poema musicado tendo em conta as características da língua de partida, complexifica o desafio, obrigando a ter em perspetiva, por sua vez, no processo de (re)criação do texto na língua alvo uma plasticidade ritmíca e melódica que continue a “encaixar” na composição musical criada para outra língua.

          Clarificado o ponto de partida de “Há uma música do povo”, retomámos a tradução da versão cantada tendo por base uma primeira tentativa. Ao telefone com a pianista, os versos originais iam alternando com os versos traduzidos. A cada nova proposta, Rosa testava cantarolando o verso ou a estrofe, pelo que o telefonema se suspendia provisoriamente em momentos de corte e costura verbal e musical. A ginástica articulatória era constante nas tentativas de se ir ajustando, a encolher e a esticar sílabas para o ritmo e acento, a eleger e a excluir sonoridades para a melodia, na tentativa de alinhar versos que resistiam a esta contabilidade tão concreta. A composição musical competia com o poema original, impondo, como ele, a seleção de elementos. A “música do povo” ia abrindo caminho, não sem alguma resistência, pela língua espanhola.

         Finalmente, Jerónimo Pizarro recebeu a versão obtida, ainda com dúvidas da nossa parte na seleção de palavras, compressão métrica e rimas. Muito generosamente, encaminhou-nos pouco depois a tradução que agora se apresenta e que deixou Rosa feliz, e aliviada, pelo modo harmonioso e belo como conseguira conciliar a “cantabilidade” em espanhol com a melodia portuguesa. 

          Os artistas cubanos integrarão a estrofe omissa na versão cantada originalmente em português, com o intuito de reproduzir na íntegra o texto. Em termos de execução, a terceira estrofe “aproveitará” o “espaço” de repetição de uma das estrofes na versão portuguesa.

          Segue-se alguma informação referente à história textual de “Há uma música do povo”.

***

         Em 2001, a Imprensa Nacional-Casa da Moeda publicou, no âmbito da edição crítica de Fernando Pessoa, o volume dedicado aos Poemas de 1921-1930, em edição de Ivo Castro, o coordenador da coleção. Nesse volume, o poema, sem título, que começa “Ha uma musica do povo”, assim, sem acentos, que Pessoa não colocava em certas palavras (tais como “ha” e “musica”), e fixado ou estabelecido da forma seguinte:

206 [119-58]

Ha uma musica do povo,
Nem sei dizer se é um fado…
3 Que ouvindo-a ha um chiste novo     
No ser que tenho guardado…

5 Ouvindo-a sou quem seria
Se desejar fosse ser…
É uma simples melodia
8 Das que se aprendem a viver…

9 E ouço-a embalado e sósinho…
10 É essa mesma que eu quis…
Perdi a fé e o caminho…
Quem não fui é que é feliz.

[58v] Mas é tão consoladora
A vaga e triste canção…
15 Que a minha alma já não chora
Nem eu tenho coração…

17 Sou uma emoção estrangeira,
18 Um echo de sonho ido…
Canto de qualquer maneira
20 E acabo com um sentido!

9-11-1928

         O número “206” corresponde à ordem do texto no livro; 119-58 é a cota do documento; e os números laterais remetem para as notas do Aparato Genético, onde se lê:

206 [119-58]
Ha uma musica do povo,
Data: 9-XI-28Materiais: Folha de papel amarelado, manuscrita a lápis nas duas páginas, com data ao alto. Um traço horizontal no fim da primeira página parece cortar o poema, mas o texto não regista interrupção.
Aparato Genético
3 <Mas>[↑Que] ouvindo-a8 Das que <cantam>[↑se aprendem] a viverante 9 <Se é fado ou que é nem sei … / Tem ao menos ser ca>17 Sou uma <sensação>[↑emoção] estrangeira
18 <Um † dos neles mesmos>[↑Um <sempre> echo de sonho ido…]

         O poema ainda é referido no Aparato de Variantes da Tradição, onde figuram as seguintes variantes:

206 Ha uma musica do povo
[PI(19-30), QOC]   3: um ritmo novo [QOC]     8: De quem a aprende [QOC]     10: É isso mesmo [QOC]     17: Se uma emoção [PI]     18: Um erro de sonho ido     20: E acaba [PI]

          De facto, “Ha uma musica do povo” tinha sido publicado, antes de 2001, em PI (19-30), isto é, em Fernando Pessoa, Poesias Inéditas (19191930), nota prévia de Jorge Nemésio,Lisboa: Ática, 1956 [pp. 10-103]; e daí tinha migrado para Ag., isto é, para Fernando Pessoa, Obra Poética, seleção, organização e notas de Maria Aliete Galhoz, cronologia por João Gaspar Simões, introdução por Nelly Novaes Coelho, 8.ª edição, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1981 [1.ª ed.: 1960, pp. 497-498]. Isto significa que o poema foi conhecido e muito divulgado, a partir de 1956 e 1960, em Portugal e no Brasil. Mas talvez por ter sido integrado tarde na obra poética ortónima, e num volume avulso, em 1956, não foi integrado nas traduções pioneiras (para o espanhol) de Ángel Crespo, José Antonio Llardent ou Miguel Ángel Viqueira, entre outros.

          O que convém salientar neste caso, por não deixar de ser significativo, é que o poema não ficou completamente bem fixado em 2001, e talvez por um esquecimento da forma em que Pessoa escrevia a palavra “ritmo”, com duplo ‘h’ e um ‘y’: “rhythmo”. Transcrever Pessoa depende muito de pensar com a sua ortografia. Admite-se uma semelhança paleográfica entre “ritmo” e “chiste”, embora parcial; mas o confronto devia ter sido feito entre “rhythmo” e “chiste”, tendo em mente, por exemplo, um verso de um poema de 14-6-1930: “Nem em rhythmos vivos minto”. E desse confronto, entre duas palavras paleograficamente mais afastadas, o resultado teria favorecido, salvo erro, a leitura de QOC, isto é, Fernando Pessoa, Quadras e Outros Cantares, organização, prefácio e notas de Teresa Sobral Cunha, Lisboa: Relógio d’Água, 1997. Vejam-se as páginas fac-símiladas e participe-se livremente desta discussão textual, que serve, já agora, para lembrar um belo artigo de Carlos Pittella: “Transcrittore Traditore: transcrições indecidíveis nos manuscritos de Fernando Pessoa” (2017; http://orcid.org/0000-0001-9702-9288). 

          Quantos “rhyth[mos]” faltarão na poesia do Cancioneiro pessoano? Quantos Aparatos de Variantes ainda merecem discussão? Não há muito, um crítico não queria acreditar que Pessoa costumasse escrever “echo” (v. 18), com “h”, por exemplo… Admitindo essa e outras singularidades, será que “Ha uma musica do povo” pode considerar-se já e finalmente fixado? Eis o manuscrito:

***

          A tradução proposta por Pizarro sofrerá três alterações na versão cantada em Havana, por sugestão da pianista e da cantora cubanas. Para respeitar a extensão silábica, a tradução escrita não apresenta o “Hay” inicial, mas a versão cantada integrará essa forma inaugural do texto de Pessoa, reajustando na execução vocálica a métrica desejada. Segundo palavras da  cantora, Maria de Jesus Lopez, voz reconhecida do bolero cubano, o “Hay” fazia-lhe falta, rítmica e melodicamente, para “entrar” no poema, efetivando em pleno a existencialidade do próprio verbo haver, por muito subjacente que pudesse estar na tradução.

          As restantes alterações consistirão na opção pela forma verbal “escucho” ao invés de “oigo” nos versos 3 e 9 do poema. O critério seguido é o mesmo. Ainda que “oigo” respeite a extensão métrica original, a cantora sentiu necessidade de, melodicamente, contrapor a sonoridade de “escucho” nos versos em causa, alternativa que lhe permitirá controlar de forma mais ágil o acento rítmico dos mesmos. Compensando, novamente, no final, esse aumento silábico.

Una música del pueblo (Hay) Una música del pueblo
Versão traduzida por Jerónimo PizarroVersão cantada por Maria de Jesus Lopez, com arranjos de Rosa García Oropesa e Emílio Martini



1 Una música del pueblo,           
ni sé decir si es un fado,
3 oigo, y hay un ritmo fresco           
que nace en mi ser guardado…

Si la oigo soy quién sería,           
ay, si el querer fuera ser…           
Solo es una melodía           
que acabé por aprender…

9 La oigo solo y arrullado… …
Es la misma que he querido…
La fe y la senda he extraviado…
Feliz es quien yo no he sido.

Pero es tan consoladora            
la vaga y triste canción…            
Que mi alma ya no llora            
Ni yo tengo corazón…
          
Yo, una emoción extranjera,           
yo, un error de sueño ya ido…          
¡Canto de cualquier manera           
Y acabo con un sentido!

Novembro de 2021
Bogotá, Colômbia



1 (Hay) Una música del pueblo,
ni sé decir si es un fado,
3 escucho y hay un ritmo fresco
que nace en mi ser guardado…

Si la oigo soy quién sería,           
ay, si el querer fuera ser…           
Solo es una melodía           
que acabé por aprender…

9 La escucho solo y arrullado.
Es la misma que he querido…
La fe y la senda he extraviado…
Feliz es quien yo no he sido.
          
Pero es tan consoladora            
la vaga y triste canción…            
Que mi alma ya no llora            
Ni yo tengo corazón…
          
Yo, una emoción extranjera,           
yo, un error de sueño ya ido…          
¡Canto de cualquier manera           
Y acabo con un sentido!

Novembro de 2021
Havana, Cuba

          Resta agora a expetativa sobre como se irá concretizar em pleno esta versão, ora em fase de ensaios. E como um texto modernista português prossegue parte da sua vocação, inesperada ou nem tanto, como fado noutra língua que não a portuguesa. Quase cem anos após a sua datação inicial, em coordenadas geográficas tão distintas.

1 Cátedra Pessoa, Facultad de Artes y Humanidades de la Universidad de Los Andes, Colombia
2 Cátedra Eça de Queiroz, Facultad de Lenguas Extranjeras de la Universidad de La Habana, Cuba
3 Feitura de mundos, criação. Do grego antigo, verbo ποιέω, “fazer”.
4 Lira, instrumento musical.

Jerónimo Pizarro

Professor, tradutor, crítico e editor, Jerónimo Pizarro é o responsável pela maior parte das novas edições e novas séries de textos de Fernando Pessoa publicadas em Portugal desde 2006. Professor da Universidad de los Andes, titular da Cátedra de Estudos Portugueses do Instituto Camões na Colômbia e Prémio Eduardo Lourenço (2013), Pizarro foi comissário da visita de Portugal à Feira Internacional do Livro de Bogotá (FILBo) e há vários anos coordena a visita de escritores de língua portuguesa à Colômbia. Editor da revista Pessoa Plural, organizador regular de colóquios e exposições, dirige atualmente a Colecção Pessoa da editora Tinta-da-china.

Isabel Gaspar

Isabel Gaspar (Portugal, 1969). Leitora e docente do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, desde 1998, nomeadamente em São Tomé e Príncipe, Timor-Leste, Tunísia, Geórgia e Cuba. Faculta igualmente apoio à área cultural da Embaixada de Portugal em Havana. Co-directora da Cátedra ¨Eça de Queirós¨ na Facultad de Lenguas Extranjeras da Universidad de La Habana, Cuba.

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