Irrita-me o condutor
parado na estrada que,
interrompe o trânsito,
com uma paragem ao lado.

Enerva-me o cliente
da farmácia que,
irrompe pelo balcão,
com um idoso ao lado.

Choca-me o transeunte
que deita o guardanapo
do pastel de nata ao chão,
com um cesto de papel ao lado.

Entristece-me a alma
que diz que a poesia
é um texto que rima
com uma criança ao lado.

Te irritame kel kondutor  
parode ne strada êke,  
te interrompê trânsito,
kum paragem de sê lôde.

Te inervame kel kliente 
de farmásia êke,
te irrompê pe balkão,
kum idose de sê lôde.

Te espantame kel transuente 
êke t ptá sê guardanope 
de pêstel de nata ne txon,
kum seste de papel de sê lode.

Te intrijtesseme alma
kem tê dze ke poesia
ê um texte ek t rimá 
kum mnine de sê lôde. 

Cábula

Copia o teu vizinho,
a comer, às compras, a conduzir,
irado com a mulher,
irritado com os filhos.

Plagia o teu herói,
a sovar vilões,
a salvar o planeta,
a sofrer pelos outros,
a ser só mais um na fila da farmácia.

Reproduz a cruz,
de cristo,
dos celtas,
dos que não sabem assinar,
dos que preenchem totolotos.

Mas, sobretudo,
imita as tuas mãos
que descascam maçãs,
imita os teus pés
que calçam peúgas,
imita os teus olhos
que se fecham quando a luz é demais,
imita o teu coração
que bate,
na fome, na abundância,
no frio, no quente,
na clareira, na trincheira,
na alegria, na dor,
na multidão, na solidão,
na menoridade, no sucesso.

Imita o teu coração que bate,
bate, bate, bate, bate, bate,
bate, bate, bate, bate, bate,
bate, bate, bate, bate, bate.

Kábla

Kupiá bô vzim, 
te kmê, te fazê kompra, te kundizi, 
ke raiva de sê amdjer,
irritode kê sij fidje.

Plagiá bô herói,  
te dá um sova ne bandite, 
te salvá noj planeta, 
te sofre pur otxe, 
te ser maj um ne fila de farmásia. 

Reproduzi kel kruj,
de kriste,
de seltaj,
de kej ke´ne sabê siná,
de kej ek te preenxê totolote. 

Má, sobretude,
imitá bôj mon 
êk te dejkaská masã, 
imitá bôj pê
êk te kalsá peúga,
imitá bôj oi  
ek te ftxá kond luz ê dmaj,   
imitá bô kurasão
êk te batê,
ne fôme, ne abundânsia,
ne fri, ne kente,
ne klarera, ne trinxera,
ne alegria, ne dor,
ne multidon, ne solidão,
ne menoridade, ne sussésse.

Imité bô korasão êk te batê,
batê, batê, batê, batê, batê,  
batê, batê, batê, batê, batê,
batê, batê, batê, batê, batê.


Quando deus me deu o meu filho
deu-me uma alegria.

Quando eu dei o meu filho a deus
dei-lhe eu uma alegria a ele.

Konde déuj dé-me nhe fidje
el dé-me um alegria. 

Konde um dá nhe fidje pe déuj 
um del mi um alegria a el.    


Quando perdes um filho
é uma estreia.

Quando perdes dois filhos
é uma estreia.

Quando perdes mais filhos
és uma estreia.

Konde bo t perdê um fidje 
ê um extreia.

Konde bo t perdê doj fidje 
ê um extreia.

Konde bo t perdê maj fidje 
bô ê um extreia.

Traduson de português Márcia C. Brito

Antonieta Félix

Antonieta Félix colabora há muito com jornais e revistas e publica contos avulsos. Mas, foi há uma dúzia de anos, ao aceitar um convite para contar em público estórias suas que o mundo não deixou de ser redondo, mas quase. Depois disso, e por causa disso, à licenciatura que tinha adicionou a pós-graduação “A Arte de Contar Estórias”, variadas formações em escrita, e publica seis livros infantis. Atreve-se a contar mais estórias, suas, de outros autores e de outras eras. Agarrado a esse novelo vieram poemas. Encontra o passado, o presente e o futuro nas oliveiras que rodeiam a sua casa, no Alentejo, o seu berço. Nessas árvores tem lua, sol, vento, chuva, chão, flor, fruto, poesia.

#003