Desfazer o problema e alguns excessos 

I
Como já foi dito em algum lugar,
atravessar ou ficar no meio,
avançar ou parar,
tudo isso é perigoso.
Mas também já foi dito que
ter medo é – ainda mais – 
perigoso, muito mais perigoso.

Assim, a ponderação que de ti exigem 
precisa de ser ponderada
(também isso já foi dito):
diferentemente de quem  
apregoa ser ponderando em tudo
o que faz,
ter moral em dizer isso ou aquilo,

ainda tens memória física de tantos
assaltos judiciais, de tantos lapsos, 
de tantos atos isolados, 
de tantas paragens noturnas (ao predador,
todavia, a recompensa está garantida: 
nem raio, nem castigo, 
nem desmaio, nem fogo do inferno, 
mas muito abrigo).

Foi igualmente dito que no centro,
onde às vezes – engano ou não – pensamos
estar, não tem nada senão esse vazio
com tantos outros centros
ponderados, onde – não sabias? 

– apenas as toupeiras cabem.

II
parte do problema
dar-te o problema
arte do emblema 
descarte do emblema
que em tudo ordena.

arde, arde, não é fogo
parte, parte, não te rogo
já é tarde, haja logo
descarte do emblema 
que, a seguir, se condena.

lei  ou rei, é tudo fel
nada fiel, isso eu sei
nada de mel, o rei é fel
isto é parte do problema
que logo nos condena.

arde, arde, sim, é fogo
dar-te a carta deste jogo 
lei que é lei não é cega
isto é arte do problema
que em tudo ordena. 

rogo ou jogo sem regra 
tarte de que não faço parte
isto é apenas um aparte
da parte do problema 
que há muito nos  aliena.

arde, arde, sim, é povo 
carta deste problema
parte, parte, o rei é fel
sei, mas não tenho pena:
à parte o rei, finda o jogo.

III
De um lado, o terror;
de outro lado, a eterna escassez; 
no meio, a paz armada,
mais nada.

Desfazê kel problema e alguns exssess

I
Moda já foi dite ne alguns lugar, 
atravessá ô fká ne mei,  
avanssá ô pará,
tude isse ê prigose.
Má tambê já foi dzid kê
ter méde ê – inda maj – 
prigose, mut mej prigose.

Essim, ponderasão ke de bo ej te ixigi
presizá de ser ponderode
(tambê isse já foi dzid):
diferentemente de kem  
apregoá ser ponderode em tude
u kel te fazê,
têm moral em dzê isse ô kel lá,

inda bô tem memória fisika de tonte  
assalte judisiail, de tante lápse, 
de tonte atoj izolódej, 
de tonte paragem noturne (a kel predador,
todavia, kel rekompensa te geréntide: 
nem rai, nem kastigue, 
nem desmaie, nem lume d´inférne, 
má mut abrigue).

Foi igualmente dzid kê ne sentre,  
ondê às vez – um tê engana ô não – nô te pensá 
kê nô tá, ká tem nada senão esse vaziu 
ke tont otxe sentre 
ponderóde, ondê – bo´ne sabia? 

– apenas topera te kabê. 

II
parte dess prubléma 
dóbe ess prubléma
arte de emblêma 
deskarte de kel embléma
ke em tude tê ordena.

ardê, ardê, ká ê fogue
parte, parte, ká te dobeb rogue
já ê terde, ke te tem logue 
deskarte de kel embléma 
kê, a seguir, te kondena.

lei  ô rei, ê tude fêl
nada fiel, isse um sébe
nada de mel, kel rei ê fêl
isse ê parte dess problema
kê logue nôj el tê kondena.

ardê, ardê, sim, ê fogue
dó-be ess karta dess jogue  
lei kê lei en-ê sége 
isse é arte dess prubléma
ke em tude ordena. 

rogue ô jogue sim regra       
tarte du kual um kê te fazê parte  
isse ê apenaj um parte       
de parte dess prubléma   
kê a mut a noj el te aliena.        

ardê, ardê, sim, ê pove 
karta desse prubléma
parte, parte, kel rei ê fel
um sébe, má mi-ne dem pena:   
à parte kel rei, te findá kel jogue.

III
Dum lóde, terror;
de ote lóde, kel eterne eskassej; 
ne mei, kel paj armode,
maj nada.


Ao mortal mano Azagaia

Tão doce, tão doce
a voz que em tudo
obedece. Tão amarga, 
tão amarga
a voz que, contudo,
deixa marca – que precoce
a sua morte!

O mais pequeno som das palavras,
(como perdura)
fazem falta as palavras
(ditas sem mesura)
a instância mais breve
(de quem, amargurado, escreve)
o lodo de quem tudo vê 
mas nada reconhece 
(por um triz era, se ainda não é,
o indescritível caso de ganância):

tão doce, tão doce a voz
dessa ovelha; tão amarga mas útil
a amarga voz que não se curva, 

se purga.

Pê mortal mano Azagaia

Tão dosse, tão dosse
kel vôj ke ne tud       
tê obdessê. Tão amargue,         
tão amargue
kel voj ke, kontud,     
te txá marka – kê prekósse     
sê morte!

Kel mej piknin son de palavra,    
(kome el tê perdura)
tê fazê falta kej palavra
(dzid sim mensura)
kel instansia maj breve 
(de kem, amargurode, tê xkrevê)
kel lode de kem tud te oiá    
má nada tê rekonhessê 
(pur um trij era, se inda ká ê,       
kel indeskritível kase de ganânsia):

tão dosse, tão dosse kel voj
desse ovelha; tão amargue má útil
kel amarga voj ke´ne de kurvá,  

 purgá.

Traduson de português Márcia C. Brito

Orálio Mendes Katchunkuró

Orálio Mendes Katchunkuró, pseudónimo literário de Ronaldo Mendes, é poeta e cronista (24 de Setembro | 1998, Canchungo, Guiné-Bissau). Escreve crónicas para o blogue Etibene Kossock, da autoria do Professor universitário Magnussum da Costa. Tem poemas publicados em revista (Amendoeira em Flor – Revista Literária) e em Poesia.fm (1º episódio, O que está por cumprir, de O DIPANDA, 2022), com a participação em coletâneas poéticas EscritAfricando 21 (Ser Mais Valia, 2022) e EscritAfricando 22 (2023). Entre 2020 e 2021, fez publicações semanais de crónicas e poemas na Rádio TV Bantaba. Residente no Porto, é licenciado em Línguas, Literaturas e Culturas e mestrando em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

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