Onde estou?

Se me vires entre copos e corpos, acredita:
Venci o meu coração.

Ofereci o meu trago às deidades 
Para que pudesse saborear este fel.

Aniquilei todo o pó desta terra
E abri um buraco numa tez qualquer.

Arrumei o pus de todas as instâncias 
Nas paredes desta podridão.

Arranquei dos olhos toda a compaixão
Por mentira alguma.

Quando terminei, abri a cópula do meu casulo
E desnudei-me.

Onde estou para que não reparem 
No grito que range a porta?

Onde estou para que não ripostem 
A uma mão à porta?

Quando terminar,
Queimem todas as palavras 
E engulam as salivas do profeta.

Quando terminar,
Quebrem todas as sirenes.

Não estou.

13-11-23 

Ondê kum tá?

Se bo oié´me entre kope e korpe, kreditá: 
Um venssê nhê kurassão.

Um ofressê nhê trago pe kej deidade
Pum pudesse saboreá esse fel.

Um anikilá tude pô desse terra   
E um abri um brok num têj kolker.   

Um arrmá kel puj de tude instânsia      
Nex perede desse pudridão.       

Um ranká de oi tud kompaixão 
Pur mintira algum.

Kond um terminá, um abri kel kupola de nhe kasule 
E um desnudá.

Ondê kum tá pej kê repará     
No kel grite êk te ranjê ne porta?

Ondê kum tá pej kê ripojtá 
Tem um mon ness porta?

Kond terminá,  
Bzot kemá tud palavraj 
E bzot ingli kel kusp de kel profeta.

Konde terminá, 
Bzot kebrá tude kej sirene.     

Mine dêi.   

13-11-23 

Num dia qualquer

Da próxima vez que te beijar
Não terás saudades em forma de papel
Nem dúvidas em tons de anil.

Da próxima vez que te beijar
Saberás a cor a que sabe um olho fechado
Na tentação dum suspiro demorado.

Da próxima vez que te beijar
Não haverá cor entre as nossas mãos
Nem dedos que suportem o frio do prematuro adeus.

Da próxima vez que te beijar
Não estarás tão próxima de qualquer céu 
Mas dentro de um abraço.

Da próxima vez que te beijar
Saberás diferenciar estes dias de qualquer outra coisa.
Qualquer outra coisa!

Da próxima vez que te beijar
Saberás que, entre dedos, medos e segredos,
Ser plural é detalhe.

Da próxima vez que te beijar
Escolhe o dia.

15 – 11 – 23

Num dia kolker

De próxima vej kum bejob
Bo ke ti te bé ter sodade em forma de papel
Nem duvda em tonj de anil.

De próxima vej kum bejob  
Bô ti te bé sabê kel kôr de goste dum oi ftxode 
Ne tentasão dum suspire demoróde.

Da próxima vej kum bejob   
Ká ti te bai ter kôr entre noj mon  
Nem déd pê suportá kel friu premature adeuj. 

Da próxima vej kum bejob
Bo ke ti te bé xtode tão próxima de kolker séu  
Má dente dum abrasse.

De próxima vej kum bejob
Bo ti te bé sabê diferensiá ex dia de kolker ote koza.
Kolker ote koza! 

De próxima vej kum bejob
Bo ti te bé sabê ke, entre déd, méde e segrede,
Ser plural ê detalhe.

Da próxima vej kum bejob
Xkolhê um dia. 

15 – 11 – 23

Tantas letras, poucas palavras

Ata.
Até a arte arde.
Ata.

Burla a bala.
Beijo e bola.

Cada casa, um caso.
Cais?

Dado, dedo.
E Dido?

Este, esta 
Ou estás?

Fico fixo
Ou finjo força?

Gel, gelado
Ou a ponta de um G.

H – agá.

E isto: ´
É igual ou injusto?

Jasmim, jaz longe de mim.

De K em capa.
Lua, livra-me da outra luz.

Meu meio muda.
Mudo.

Ódio ou outro.

Perco a paciência.
Peco?

Queria querer-te mais.
Quem?

Rasgo rugas e rio-me
Pensando no erro que seria
Pôr gente crescida
Correndo atrás
De tantas letras 
Em tão poucas palavras.

17-11-23

Tont letra, pok palavra

Ata.
Atê arte tê ardê.
Ata.

Burlá kel bala.
Bejá e bola.

Kada kaza, um kaze.
Kaij?

Dado, déd.
E Dide?

Este, esta 
Ô bo tá?

Um te fká fixe
Ô um tê finji forssa?

Gel, geláde
Ô ponta dum G.

H – agá.

E isse: ´
É igual ô injuste?

Jasmim, jaj longe de mim.

De K em kapa.
Lua, livré-me de ote luj.

Nhe mei te mudá. 
Mude.

Ódie ô ote.  

Um tê perdê pasiênsia.
Um te peká?

Um kria kreb mej.
Kem?

Um te ratxa rugaj e uma te errí   
Te pensá ne kel érre êke seria    
Pur gente grénde
Tê korre traj
De tonte létra 
Ne tão pok palavra.

17-11-23

Por favor, escrevam o sumário!

De que cor é a bandeira que traduz a fome nos olhos dos que criam
E semeiam a esperança, mas colhem a indignação?
Pum! Catrapum! Tless!

De que cor é a voz que se ergue para abrir os caminhos turvos e 
Espinhosos dos que geram a luz e acordam a ignorância?
Boom! Puf!

De que cor é o sangue que sai das mãos dos que carregam os sonhos 
E destroem os muros?
Boom! Ktuss!

De que cor é a sombra que paira sobre as cabeças dos que marcham
Contra a alegria e a justiça?
Tchupss! Plaft!

De que cor é o ódio dos que comeram (d)o prato e defecaram as 
Pedras em cima das suas próprias cabeças?
Xlepss! Boing!

De que cor é a dor do pranto e da vergonha dos que desenham trilhos 
Mas que se perdem pelos atalhos?
Troom! Troom!

De que cor poderia ser
Um dia sem raiva?
Um caminho sem perda?
Uma pedra sem forma?
Um poema sem nós?
Uma solução sem vista?
Uma tarde confusa?
Uma noite sentida?
Um grito calado?
Uma boca selada?
Uma pedra guardada?

De que cor é o sofrimento que causas aos pés dos que te guiaram?
Vuuuum!

De que cor é a lápide onde nos meteste?
Xiiiiiu!

De que cor ficou o teu sorriso?
Tchups!

Até à próxima aula!

23-11-23

Por favor, bzot krevê sumárie!

De ke kor ê kel bandera êke te traduzi kel fome ne oi de kej ek te kriá 
E smenhá xperansa, ma tê kolhê indignasão?
Pum! Katrapum! Tless!

De kê kôr ê kel voj êke te ergui pe abri kej kamim turve e
Xpim de kej êke te gerá kel luj e ek tê kordá kel ignorânsia?
Buum! Puf!

De ke kôr ê kel séngue êke te sêi de mon de kej êke te karregá kej sonhe
E êke te destruí kej mure?
Buum! Ktuss!

De kê kôr ê kel sombra êke te pairá sobre kej kabessa de kej êke tê marxá
Kontra kel alegria e kel justissa?
Txupss! Plaft!

De kê kôr ê kel odie de kej êke kme (d)kel prote e pupú kej
Pedra dsima de sij prop kabessa? 
Xlepss! Boing!

De kê kôr ê kel dôr de prante e de vergonha de kej êke te dezenhá trilhej 
Má te perdê ne atalhoj?
Troom! Troom!

De que kôr pudia ser
Um dia sim raiva?
Um kamim sim perda?
Um pedra sim forma?
Um poema sim nô?
Um solusão sim vista?
Um tarde konfuse?
Um note sintide?
Um grite kalóde?
Um boka selóde?
Um pedra guardóde?

De ke kôr ê sufrimente ke bo te kausá pe kej pê de kej êke guio-b?
Vuuuum!

De ke kôr ê ess lápide ondê bô metê noj?
Xiiiiiu!

De ke kôr fká bo surrise?
Txups!

Atê próxima aula!

23-11-23

Traduson de português Márcia C. Brito

Valódia Monteiro

Valódia Monteiro (1981, Santo Antão – Cabo Verde). Reside em São Vicente e tem presença assídua no Spoken Word Mindelo. Adaptou “Auto da Barca do Inferno”, “Noite”  e “E dpos?” com um grupo de alunos do Liceu Ludgero Lima (São Vicente). Dramaturgo em: “Noite”, “Psycho”, “Marthur”, “Glória”, “E dpos?, “Sim ou não?”, “Sente-se, homem!”, “O que faço com isto?”. Publicou poemas, crónicas e artigos de opinião, no Jornal “Artiletra”, no jornal “A semana”, no jornal “ Mindel insite”, nas revistas “Dá Fala”, “txon” e no sítio “Jovem Tudo”. Integra a antologia de poesia em Língua Portuguesa “A boca no ouvido de alguém” (2023). Lançou, em novembro de 2020, a obra “O que faço com isto? – textos para teatro”.

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